Projeto que prevê os centros de referência nos estados tramita pelo Senado
O Brasil não tem dados sobre quantas crianças no país convivem com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), ou autismo, como é mais conhecido, mas é fato que não são poucas. E dada a escassez de centros especializados no atendimento de autistas,
muitos pais são forçados a sacrifícios para oferecer aos filhos ao
menos o tratamento básico. Tal situação, porém, pode estar prestes a
mudar, com a possível obrigação de todo estado ter pelo menos uma clínica-escola gratuita para autistas.
A ideia já tramita do Senado por meio do projeto de lei (PLS
169/2018) que obriga cada estado a construir pelo menos um centro de
assistência integral para os autistas desassistidos.
Trata-se, originalmente, de uma sugestão apresentada ao Senado por
uma mulher do Ceará, via Portal e-Cidadania. No começo de abril, a
Comissão de Direitos Humanos (CDH) decidiu transformá-la em projeto de
lei. A relatora da sugestão na CDH foi a senadora Regina Sousa (PT-PI).
Segundo ela, poucos autistas brasileiros têm acesso ao tratamento
integral. Primeiro, porque são raros os centros de referência ao
autismo; depois, porque, quando existem, são privados e caros.
“Os centros de referência em autismo não exigirão gastos extras.
Bastará que os estados façam o remanejamento de servidores e a adaptação
de prédios públicos já existentes”, assegurou a senadora, acrescentando
que o governo não sabe quantos autistas existem no Brasil.
A psicopedagoga Viviani Amanajás, mãe de um autista, ratifica a
preocupação, ressaltando que até hoje, o país trabalha apenas com uma
estimativa. “Não sabemos quantos somos no Brasil. Sem saber quem somos e
onde estamos, não conseguimos fazer uma política pública efetiva”.
No dia 2 de abril, numa audiência pública na CDH, pais e
especialistas defenderam que o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) inclua o autismo no questionário dos Censos. A Câmara
dos Deputados estuda um projeto de lei que contém essa previsão (PL
6.575/2016).
Estudos feitos no exterior indicam uma prevalência de 62 autistas
para cada grupo de 10 mil pessoas. Considerando esse dado, o Brasil
teria 1,3 milhão de pessoas com autismo — o mesmo que a população de
Campinas (SP). Há estimativas que chegam a sugerir que o país tem 2
milhões de autistas, o que reforça a necessidade da clínica-escola
gratuita para autistas.
Até onde a ciência já chegou, o autismo resulta de falhas no
desenvolvimento do cérebro do bebê e se caracteriza por alterações de
comportamento e dificuldades de comunicação e interação social. A
intensidade dos sinais varia bastante, indo do autista que leva uma vida
muito próxima do normal ao autista que não pode viver sem a vigilância
constante da família. Sem os estímulos, os sinais pioram.
Dificuldades
A 60 quilômetros de casa, Miguel tem aulas de natação, recebe reforço
educacional com psicopedagogo, se trata com terapeuta ocupacional e se
consulta com psicólogo — além de frequentar uma escola pública, onde
está sendo preparado numa sala de aula especial para um dia juntar-se a
uma turma regular.
Cada atividade fica num bairro de Brasília. Os trajetos são
percorridos em ônibus. Mãe e filho saem de casa pela manhã, às 8h, e só
voltam à noite, às 19h. A rotina forçou a técnica em química Genilda Gomes
a abandonar o trabalho numa fábrica de alimentos.
“É exaustivo para nós dois. Sinto que o Miguel não rende tanto quanto
poderia nos tratamentos e na escola porque já chega cansado”, conta.
A escola e a natação são oferecidas pelo governo. O psicopedagogo, o
terapeuta ocupacional e o psicólogo, por instituições filantrópicas que
cobram uma taxa simbólica. Se fossem pagos, a família não conseguiria
arcar com os serviços. Por falta de dinheiro, o menino não frequenta
sessões de fonoaudiologia. Miguel até hoje não fala.
A dona de casa Adriana Abreu passa por um drama parecido. Ela vive no
Riacho Fundo (DF) e também faz inúmeras viagens de ônibus para levar os
dois filhos autistas — Elias, de 8 anos, e Camila, de 6 — para o
tratamento. Ela ouve insultos com frequência:
“Somos chamados de mal-educados por estarmos sentados no assento
reservado. Sempre que os meus filhos ficam nervosos e começam a gritar
ou se debater, algum passageiro me acusa de ser uma mãe permissiva, que
não sabe dar limites. Os autistas são sensíveis ao barulho, e o ônibus
cheio equivale a uma sessão de tortura. Muita gente não acredita quando
explico que eles têm deficiência. Nem sei quantas vezes chorei no
ônibus”.
Realidade
A clínica-escola gratuita para autistas sonhada pelas famílias de crianças com o problema não é utopia. Há quatro
anos existe uma instituição desse tipo em Itaboraí (RJ), nos moldes do
que está previsto no projeto de lei do Senado. Os atendimentos são pagos
pela prefeitura. Atualmente, 160 autistas estão em tratamento, e uma
fila grande espera novas vagas. Perto de 25 especialistas respondem
pelos tratamentos.
De manhã, os autistas passam por diversas terapias. À tarde, aqueles
que ainda não frequentam a escola têm aulas individuais para que superem
as deficiências na aprendizagem e sejam incluídos no ensino regular. As
famílias participam de cursos de culinária, nos quais aprendem a
preparar alimentos sem glúten e proteína do leite. Estudos indicam que
as substâncias podem agravar os comportamentos típicos dos autistas.
“No início, toda hora tínhamos que correr para as salas para conter
autistas em crise. Como resultado das terapias e da alimentação, isso
cessou. Faz tempo que não temos episódios de crise”, explica Berenice
Piana, idealizadora da clínica-escola e militante que lutou pela
aprovação da lei federal pró-autista de 2012 (também chamada de Lei
Berenice Piana).
Direito garantido
Para tornar essa população visível, o governo sancionou no dia 13 de
abril deste ano uma lei aprovada pelo Congresso que transforma 2 de
abril no Dia Nacional de Conscientização sobre o Autismo (Lei 13.652). A
expectativa é que a sociedade passe a conhecer mais sobre um transtorno
envolto em preconceito e desconhecimento.
Graças à mobilização de pais e mães, os autistas conseguiram em 2012
uma lei federal que lhes garantiu uma série de direitos, entre os quais o
diagnóstico precoce e o tratamento multiprofissional (Lei 12.764). A
conquista foi reforçada três anos depois, com a aprovação da Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146).
Para atender a lei de 2012, o que o governo fez foi direcionar os
autistas aos centros de atenção psicossocial (Caps), ambulatórios
municipais ou estaduais.
Porém, os pais dos autistas não ficaram satisfeitos. Eles avaliam que
os Caps são inócuos e estão longe de ser centros de referência. O
tratamento não é integral, as consultas são esparsas e rápidas, o
aspecto educacional é ignorado e o ambiente é impróprio para os
autistas.
Com informações de Ricardo Westin/ Agência Senado
Fonte: http://www.filhosetal.com/clinica-escola-gratuita-para-autistas-sonho-ou-realidade/