segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Febre Amarela – O que a escola precisa saber?


Febre Amarela – O que a escola precisa saber?


A febre amarela é uma doença infecciosa febril, aguda, causada por um arbovírus (vírus transmitidos por mosquitos), que possui duas formas distintas de transmissão: silvestre e urbana.
A transmissão urbana é de maior importância epidemiológica, devido a sua gravidade clínica e elevado potencial de disseminação em áreas urbanas infestadas por Aedes aegypti. Sua incidência se restringe à América Central, América do Sul e África.

Como surgiu a febre amarela?
Estudos genéticos demonstraram que esse vírus surgiu na África, há cerca de três mil anos e chegou no Brasil  nos navios que traziam escravos para trabalhar nas minas e na lavoura, numa época em que as cidades não dispunham de saneamento básico e estavam infestadas de mosquitos.
O resultado desse encontro do vírus da febre amarela com os mosquitos urbanos trouxe trágicas consequências para a saúde da população.




Qual a diferença da febre amarela urbana e silvestre?
Do ponto de vista etiológico, clínico, imunológico e fisiopatológico, a doença é a mesma nos dois ciclos (silvestre e urbano).
No ciclo silvestre da febre amarela, os primatas não humanos (macacos) são os principais hospedeiros e disseminadores do vírus, e os vetores são mosquitos com hábitos estritamente silvestres, sendo os gêneros Haemagogus e Sabethes os mais importantes na América Latina. Nesse ciclo, o homem participa como um hospedeiro acidental ao adentrar áreas de mata.
No ciclo urbano, o homem é o único hospedeiro com importância epidemiológica e a transmissão ocorre a partir do vetor urbano infectado, o Aedes aegypti, o mesmo da Dengue, Chikungunya e a Zika. A febre amarela não é transmitida de pessoa para pessoa. Veja figura abaixo:
Fonte: Ministério da Saúde
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O que o vírus da febre amarela pode causar?
Segundo Nota Técnica publicada pela Sociedade de Pediatria de São Paulo, o vírus da febre amarela tem como características o viscerotropismo, que é capacidade de infectar e lesar o fígado, baço, rins e o coração e o neurotropismo, que é a capacidade de infectar e lesar o parênquima cerebral e causar encefalite.

Como é transmitida a febre amarela para o homem?
O vírus da febre amarela é transmitido para o homem através da picada do mosquito (espécies Aedes ou Haemagogus) que esteja infectado.
Após ser introduzido no homem pela picada, o vírus inicia sua replicação nas células da pele, espalhando-se pelos canais linfáticos aos linfonodos e daí para os órgãos do corpo através da circulação do sangue.
Os mosquitos adquirem o vírus ao picar primatas humanos (macacos) e não humanos infectados, durante a fase virêmica (esta fase dura em média 3 a 6 dias, tendo seu início imediatamente antes dos primeiros sintomas e persistindo por aproximadamente 5 dias).
(...)
 
Quais são os sinais e sintomas da febre amarela?
Os sintomas da febre amarela são muito variáveis. Podem ser leves a ponto de serem confundidos com os de uma virose simples e regredir espontaneamente, ou podem evoluir para complicações graves e até a morte.
Os sintomas são:
  • Febre com calafrios,
  • Dores musculares em todo o corpo, principalmente nas costas,
  • Dor de cabeça,
  • Perda de apetite,
  • Náuseas e vômito,
  • Mal estar,
  • Diarreia,
  • Cansaço e fraqueza.
Nesta fase aguda da doença, os sintomas costumam durar entre três e quatro dias e desaparecem sozinhos.
Entretanto, uma pequena porcentagem de pessoas pode desenvolver sintomas mais graves dentro de 24 horas após a recuperação dos sintomas mais simples.
Nesta fase chamada de tóxica, o vírus pode atingir diversos órgãos e sistemas, principalmente o fígado e os rins. Os sintomas dessa fase são:
  • Retorno da febre alta,
  • Icterícia (pele e olhos amarelados, daí o nome febre amarela), hepatite e até coma hepático devido ao dano que o vírus causa no fígado,
  • Urina escura,
  • Problemas cardíacos e pulmonares,
  • Anúria (ausência de urina),
  • Dores abdominais,
  • Sangramentos na boca, nariz, olhos ou estômago,
  • Convulsões e delírios.
Dependendo da evolução da doença e dos danos causados no organismo, esta fase da febre amarela pode levar à morte no intervalo entre sete e dez dias. Sendo assim, pessoas que são diagnosticadas com febre amarela devem estar atentas ao aparecimento dos sintomas iniciais e observar se os sintomas mais graves se manifestam.

Qual o período de incubação do vírus da febre amarela?
O período de incubação no homem varia de três à seis dias, podendo se estender até quinze dias.
A viremia (presença do vírus no sangue) humana dura no máximo sete dias e vai de 24-48 horas antes do aparecimento dos sintomas até três à cinco dias após o início da doença, e é durante esse período que o homem pode infectar os mosquitos transmissores.
Nos casos que evoluem para a cura, a infecção confere imunidade duradoura.
Segundo o pediatra Dr. Paulo Falanghe: febre com duração maior de 48 hs em bom estado geral ou mesmo febre a qualquer tempo com alteração do estado geral é motivo mais que suficiente para fazer avaliação médica.
Como é feito o diagnóstico da febre amarela?
O diagnóstico da febre amarela é feito de acordo com os seguintes critérios:
  • Sintomas apresentados
  • Se já foi vacinado (há quanto tempo)
  • Se houve casos próximos.
  • Se visitou ou reside em áreas endêmicas.
  • Se houve exposição a mosquitos possivelmente infectados.
Caso o médico suspeite de febre amarela, existe um exame de sangue que pode detectar a presença do vírus ou de anticorpos que confirme a sua infecção. Se o resultado dos testes for positivo, a única forma de impedir que o vírus se espalhe é vacinar a população que vive ou esteve nas áreas de risco.
A febre amarela é uma doença de notificação compulsória no mundo (comunicação obrigatória às autoridades sanitárias). O objetivo é manter as autoridades sanitárias informadas, a fim de que tomem as medidas preventivas necessárias.

Como é o tratamento da febre amarela?
Não há um tratamento/medicamento específico para a febre amarela. A pessoa acometida deve manter repouso em ambiente preferencialmente hospitalar para evitar que ocorram maiores complicações.
O tratamento é de suporte, isto é, manter a hidratação corporal, administrar medicações que mantenham a pressão arterial equilibrada, realizar a correção dos desequilíbrios metabólicos e aliviar os sintomas.
Igualmente nos casos de dengue, o uso de remédios que contenham ácido acetilsalicílico (AAS) é contraindicado, pois aumentam o risco de sangramentos, também não deverá utilizar anti-inflamatórios.
Nos casos mais graves, o paciente pode necessitar de diálise e transfusões de sangue.

Prevenção da febre amarela: vacinação
Como a febre amarela não se transmite entre pessoas, sendo transmitida apenas pela picada do mosquito, a única medida de prevenção para a febre amarela é através da vacinação.
A vacinação é considerada pela Organização Mundial da Saúde a forma mais importante de prevenir a febre amarela. É necessário que no mínimo 80% da população seja imunizada contra um vírus para prevenir a doença.
  • Esquema de aplicação da vacina: uma dose da vacina contra a febre amarela, está orientação está de acordo com a Organização Mundial de Saúde.
  • Idade mínima: para receber é vacina é 9 meses.
  • População alvo: crianças a partir de 9 meses de idade até adultos com 59 anos de idade.
  • Pessoas com 60 anos de idade ou mais: só devem receber a vacina se residirem ou forem se deslocar para áreas com transmissão ativa de febre amarela
  • Gestantes (em qualquer idade gestacional) e mulheres amamentando: só devem ser vacinadas se residirem em local próximo ao que ocorreu a confirmação de circulação do vírus.
  • Obs.: para as mulheres que amamentam e precisem ser vacinadas, recomenda-se suspender o aleitamento materno por 10 dias após a vacinação.
De acordo com as novas recomendações, as pessoas que já receberem uma dose da vacina anteriormente são consideradas vacinadas, não havendo necessidade de novas doses de vacina
A recomendação é que, as pessoas que residem ou viajam para regiões silvestres, rurais ou de mata, que são áreas com recomendação da vacina contra febre amarela , a vacinação contra a doença.
Para os viajantes que se deslocam para as áreas recomendadas a vacinação deverá ocorrer 10 dias antes da viagem.
Os meses de dezembro a maio são o período de maior número de casos com transmissão considerada possível em grande parte do Brasil.
A vacina contra a febre amarela é ofertada no Calendário Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) e é enviada, mensalmente, para todo o país. Em 2016, foram repassados aos estados mais de 16 milhões de doses, sendo mais de 3 milhões para o estado de Minas Gerais. Todos os estados estão abastecidos com a vacina e o país tem estoque suficiente para atender toda a população nas situações recomendadas. O estado de Minas Gerais conta com 250 mil doses em estoque.

(...)

Que reações poderão ocorrer após a vacinação contra a febre amarela?
As reações são raras, mas quando ocorrem, necessitam ser avaliadas pelo médico.
  • Reações muito comuns: dor de cabeça, reações no local de aplicação como dor, vermelhidão, hematomas, inchaços que podem ocorrer em até 2 dias da vacina;
  • Reações comuns: náusea, diarreia, vômito, dor muscular, febre e cansaço, que podem ocorrer após o terceiro dia de vacina
  • Reações incomuns (menos de 0,1% dos pacientes): problemas neurológicos, como infecção no sistema nervoso, que ocorrem de 7 a 21 dias depois da aplicação da vacina;
  • Reações raríssimas (poucos casos descritos no mundo): dor abdominal e dor nas articulações, icterícia (amarelão), falta de ar, urina escura, sangramentos, perda de função do rim, que podem ocorrer em até 10 dias após a aplicação da primeira dose da vacina.
Bebês com menos de seis meses não devem ser vacinados, pois são mais vulneráveis a possíveis complicações da vacina, entre elas, a encefalite viral
Como prevenir a febre amarela? Erradicar o mosquito transmissor da febre amarela é impossível, mas combater o mosquito Aedes aegypti nas cidades é uma medida de extrema importância para evitar surtos da doença nas áreas urbanas. Por isso, ninguém pode descuidar das normas básicas de prevenção. São elas:
  • Eliminar os focos de água parada que possam servir de criadouro para os mosquitos,
  • Usar repelentes de insetos no corpo e nas roupas para evitar as picadas.
  • Usar, sempre que possível calças e camisas que cubram a maior parte do corpo e mosqueteiros ao redor das camas, quando estiver em áreas de risco para a transmissão silvestre da doença;
  • Aplicar repelente com regularidade. Lembrar de passá-lo também na nuca e nas orelhas. É importante repetir a aplicação a cada quatro horas, ou a cada duas horas se a pessoa tiver transpirado muito;
  • Reaplicar o repelente toda a vez que molhar o corpo ou entrar na água;
  • Consultar um médico ou os núcleos de atendimento ao viajante para informar-se sobre a necessidade de tomar a vacina antes de viajar. Alguns países exigem um Certificado Internacional de Vacinação atualizado.
(...)

O que a escola pode fazer para contribuir com a prevenção da febre amarela?

É de fundamental importância o papel da escola no combate ao mosquito transmissor, através da informação ocorre a sensibilização das crianças para o problema, e assim, os pequenos partem como multiplicadores de informações para suas famílias e comunidade em que estão inseridos.
Para que ocorra essa sensibilização e compreensão do problema pelas crianças, a escola poderá utilizar vários recursos, como por exemplo, dramatização com teatro de fantoches, confecções de cartilhas com os alunos, explicando sobre o mosquito, as doenças, sintomas e o tratamento. O professor também pode incentivar os alunos a realizarem a busca ativa por focos de acúmulo de água na própria escola.
Com  a erradicação total do mosquito é praticamente impossível, a educação para todos com objetivo de evitar a proliferação, ainda é a melhor arma contra o Aedes aegypi.

(...)
  • Sempre orientar os pais quanto à importância da atualização da carteira de vacinação.
  • Manter o ambiente escolar limpo, sem acúmulos de água e objetos e lugares que possam favorecer esse acúmulo.
  • Em caso de suspeita, alertar os pais para que estes encaminhem a criança para a avaliação médica urgentemente.
  • É também aconselhado não tomar nenhum medicamento na escola e em casa, pois podem conter substâncias que piorem os sintomas da doença,
  • Orientar os pais para que comuniquem a escola no caso de confirmação do diagnóstico.
  • Fazer a notificação compulsória na Vigilância Epidemiológica em horário comercial durante a semana e nos finais de semana e feriados e a partir de 18 horas ao Plantão da Epidemiologia.
  • Além dos itens já citados acima, a escola é responsável por educar seus alunos com relação à erradicação total do mosquito Aedes aegypti. Muitas ações educativas podem ser realizadas de maneira lúdica, como por exemplo, teatros, jogos, confecção de maquetes e também utilizar da tecnologia para fazer pesquisas sobre a história da doença, dados atuais, etc.
ATENÇÃO!
A notificação compulsória é obrigatória a todos os profissionais de saúde: médicos, enfermeiros, odontólogos, médicos veterinários, biólogos, biomédicos, farmacêuticos e outros no exercício da profissão, bem como os responsáveis por organizações e estabelecimentos públicos e particulares de saúde e de ensino.

Leia a reportagem completa em http://www.crechesegura.com.br/febre-amarela-o-que-a-escola-precisa-saber/

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos


Pensador, pedagogo e desenhista, o italiano Francesco Tonucci é uma das vozes mais ativas e influentes do mundo no que diz respeito à participação social da infância na discussão pública sobre o futuro das cidades.
Nascido em 1940, em Fano, pequena cidade localizada às margens do mar Adriático, Tonucci trabalhou como professor já na década de 60, quando pôde conhecer de perto o cotidiano escolar, experiência que deu base para a sua concepção de educação e para a crítica ao modelo escolar vigente. “A escola segue sendo para poucos. O primeiro desafio, portanto, ainda é como fazer com que a escola seja para todos – e para cada um”, aponta o italiano em entrevista exclusiva para a Plataforma Cidades Educadoras.
Sob o pseudônimo Frato, o autor publica uma série de quadrinhos em que discute de forma irônica o cenário escolar e a estrutura familiar contemporânea. “A escola da minha neta de nove anos é muito parecida à minha escola de setenta anos atrás. E não podemos mais suportar isso, considerando como o mundo mudou.”
Célebre por ter criado a iniciativa “Cidade das Crianças”, que aposta na transformação das cidades a partir do olhar das crianças que nela habitam, Tonucci defende que as políticas públicas urbanas têm como tarefa garantir o direito ao brincar de meninos e meninas.
“Para todos os estudiosos da infância e do desenvolvimento infantil, a brincadeira é a experiência mais importante na vida de um homem e de uma mulher. Ao longo da vida, todo o cimento sobre o qual se constroem nossa formação e nossa cultura, foi adquirido nos primeiros anos de vida, brincando”, afirma.
Depois de consolidar estratégias para uma Cidade das Crianças em Rosário (Argentina) e Pontevedra (Espanha), Tonucci lamenta que poucos prefeitos sejam capazes de escutar as crianças de verdade. “Há muitos que querem escutá-los aparentemente, como forma de publicidade, para sair em fotos na imprensa”, critica.
Ele postula que a escuta efetiva da criança deve servir para gerar uma mudança de paradigma, uma inversão de prioridades capaz de reverter o planejamento masculino de cidade. “Eu não quero uma cidade infantil, uma cidade pequena. Não quero uma cidade montessoriana. Quero uma cidade para todos. E para estar seguro de que não esquecerei ninguém, escolho o mais novo.”
Durante a entrevista, o educador discorre sobre temas como escola, formação de professores, relação com as famílias, infância e cidade. O italiano se diz impressionado com o fato de que, ao mesmo tempo em que as crianças perderam a possibilidade de sair de casa, novas tecnologias as conectam com o mundo inteiro. “Uma criança com enorme mobilidade cognitiva não pode sair de casa.”
E analisa o conflito atual entre as crianças e seus pais. “As crianças pedem, à escola e à cidade, mais autonomia e mais liberdade. E seus pais pedem, à escola e à cidade, mais controle, mais vigilância e mais proteção. São duas visões conflitivas e devemos escolher de que lado estamos”, defende.
Cidades Educadoras: A sua obra está carregada de críticas ao modelo escolar tradicional. Em sua opinião, quais foram as principais mudanças na instituição escolar nas últimas décadas e o que ainda se mantém, apesar dos novos contextos?
Francesco Tonucci: Acredito que a principal mudança nos países ocidentais foi o que na Itália veio a ocorrer na década de 60, com a ampliação da obrigatoriedade do ensino até os 14 anos. Antes disso, havia somente a escola que eu vivi quando era criança, uma escola para poucos. Isso porque, no final do ensino primário, por volta dos 11 anos, tínhamos que escolher se íamos para o ginásio, que nos prepararia para a universidade, ou se passaríamos diretamente para o ensino profissionalizante. E esta era a solução mais comum para a maioria dos meus companheiros – àqueles, claro, que a escola não tinha perdido no meio do caminho. A primeira reflexão, portanto, é analisar quem eram esses que seguiam estudando.
Tonucci criou o personagem "Frato" para ironizar as instituições escolares.
Tonucci criou o personagem “Frato” para ironizar as instituições escolares.
Crédito: TONUCCI, Francesco. Com olhos de criança. Porto Alegre, RS: Artmed, 1997.
A maioria destes meninos e meninas eram filhos de famílias de nível social alto, com algumas exceções, como eu, cujos pais não pertenciam a esta classe, mas sentiam um orgulho imenso de que seus filhos pudessem seguir estudando. Porém, grande parte desses estudantes vinham de famílias que ofereciam livros, que tinham adultos que liam, fosse por trabalho ou por gosto, eram famílias que tinham o costume de ler um livro antes que seus filhos dormissem. Eram famílias que frequentavam concertos, livrarias, que viajavam, enfim, famílias que podiam prover isso que eu considero uma formação de base.
A escola, portanto, completava essa formação. E, por isso, havia um certo sentido que ela oferecesse coisas estranhas como, por exemplo, caligrafia. Eu tinha duas notas de Língua: uma de Italiano e outra de caligrafia. E por quê? Porque uma pessoa que saía da escola e assumia um cargo profissional, como funcionário, deveria saber escrever bem, porque a maioria dos documentos se escreviam a mão. Na escola se estudava ainda a História Antiga, dos gregos, egípcios, romanos; a Geografia exótica, enfim, tudo aquilo que completava a formação de base proveniente das famílias.
Nos anos 60, então, o parlamento italiano amplia a obrigação escolar até os 14 anos. Nesse momento, teria sido muito importante que a escola se perguntasse: o que devo mudar para me tornar uma escola para todos? Entretanto, a única mudança que a escola fez foi apagar as atividades ligadas à formação para o trabalho, as oficinas, os ateliês, tudo aquilo relacionado às atividades manuais.
E a escola acabou oferecendo para todos aquilo que era para poucos.
Isso produziu um desastre, porque a maioria dos alunos que estavam nessa escola não tinham uma base cultural. E eu acredito que isso não mudou substancialmente nos dias de hoje. A escola segue sendo para poucos. O primeiro desafio, portanto, ainda é como fazer com que a escola seja para todos – e para cada um.
CE: E como isso pode ser feito?
A primeira coisa é o que Lóris Malaguzzi, criador e diretor das escolas Reggio Emilia, disse em um de seus poemas. Para ele, as crianças possuem mais de cem línguas, cem maneiras de pensar, de sonhar e de fazer, mas lhes roubam 99. Quem rouba as crianças não é, em minha opinião, apenas a escola. Acredito que ela tenha muita responsabilidade nesse processo, mas que não seja a única. E como ela faz isso?
“A criança tem
uma centena de línguas
(E cem cem cem mais)
mas eles roubam 99.
A escola e a cultura
ao separar a cabeça do corpo.
Dizem-lhe:
pensar sem as mãos
fazer sem cabeça
para ouvir e não falar
de compreender sem alegria
de amar e de maravilhar-se
só na Páscoa e no Natal.
Dizem-lhe:
para descobrir o mundo que já está lá
e do cem
eles roubam 99”
(Loris Malaguzzi, “As Cem Linguagens das Crianças”)

Oferecendo pouco.
A escola diz que o que lhe interessa é saber escrever, contar, um pouco de ciência e nada mais. O resto não interessa. E, claro, os que nasceram literários, matemáticos ou científicos se encontram bem nessa proposta. Mas aqueles que nasceram bailarinas, músicos, artistas, exploradores ou investigadores ficam de fora. A escola não os reconhece e eles não reconhecem a escola.
O escritor colombiano Gabriel García Márquez dizia que aquele que nasce escritor não o sabe previamente. E que a educação deveria assumir como seu papel principal ajudá-lo a descobrir o que ele chama de seu “brinquedo favorito”. Porque apenas trabalhando sobre o que é o seu “brinquedo favorito”, ele poderá chegar ao que chamamos de excelência, ele poderá ser capaz e ele poderá ser feliz.
A felicidade é um tema que devemos propor à educação. Nos anos 70, na União Soviética, Mario Lodi, grande educador italiano e meu amigo, disse ao final de uma palestra: “A criança não é propriedade nem da família, nem da escola e nem do Estado. E, quando nasce, tem direito à felicidade”. Eu acredito que esse seja um grande programa educativo: considerar que os filhos não são nossos e que têm direito a ser feliz.
Bom, mas o que significa tudo isso? O que deveria fazer a escola para alcançar esses resultados?
Primeiro, ela deveria abrir o leque de opções, não se contentar em oferecer pouco, mas sim oferecer muito. O leque de linguagens deve ser grande e na escola deve ser possível trabalhar com as mãos, fazer música, fazer uma horta, investigar, criar poesias, inventar contos, fazer teatro. Oferecendo muitas linguagens, a escola gera possibilidades e cada um encontra o que é seu, cada um pode se dedicar ao seu “brinquedo favorito”. Acredito que esse seja um tema básico para a escola.
A escola de hoje que eu conheço está muito mais preocupada com o que falta do que com o que existe. Toda avaliação se dedica a buscar o que falta. As lições de casa têm como objetivo final ajudar os alunos a recuperar as lacunas. Pedimos às crianças que dediquem sua atenção ao que não existe, ao que falta, àquilo que eles não gostam. Ao contrário, deveríamos pedir que se dediquem ao seu “brinquedo favorito”.
Nesses últimos cinquenta anos que eu venho acompanhando as escolas da Itália, Espanha, Argentina – conheço menos o Brasil -, vejo que os governos foram tentando reformar a escola. Mudaram programas, livros, a arquitetura, mudaram os horários, enfim, mudou tudo. A única que permaneceu igual foi a escola. A escola da minha neta de nove anos é muito parecida à minha escola de setenta anos atrás. E não podemos mais suportar isso, considerando como o mundo mudou. O que aprendemos, então, é que não se muda a escola com leis. As leis e as reformas não são capazes de mudar a realidade. E como faremos então?
A escola de hoje que eu conheço está muito mais preocupada com o que falta do que com o que existe.
De uma maneira muito simples. Oferecendo a todos os alunos bons professores. Então, o que todos os Estados deveriam colocar em pauta não são mais maravilhosas reformas, senão garantir bons professores. Uma professora de Barcelona, comentando esse tema, me disse: o pior professor deve ser bom. Esse deve ser o compromisso de nossas sociedades, governos e parlamentos: reformar a formação dos professores. Os poucos países que o fizeram, como a Finlândia, mostram que o primeiro a ser feito é aumentar o salários dos professores. A segunda medida foi afirmar que nem todos podem ser professores. Na Itália, funciona exatamente o contrário: vai ser professor aquele não pôde ser algo mais. Quase sempre a decisão de se tornar professor é resultado de um compromisso de segundo nível.
Eu, por exemplo, sou formado para ser professor porque era um mau aluno. No Ensino Médio, eu não gostava da escola, nunca me suspenderam, mas eu não ia bem. E, como em minha família não havia possibilidade de que os quatro filhos fizessem universidade, o melhor dos irmãos foi para o Liceu e eu – que não tinha boas notas e achava a formação de professores fácil – virei professor.
A escola de formação dos professores deveria ser muito parecida àquela que nós acreditamos que as crianças deveriam viver
Aqui na Itália, eu tenho uma briga grande com relação à ampliação da jornada, porque acredito que as crianças já passam tempo demais dentro da escola. Na verdade, não sei como será no Brasil, mas aqui os meninos e meninas quase não saem de casa, passam a tarde em escolas de tempo integral, fazendo música, esporte, etc., e chegam em casa com as lições de casa que a escola passa todos os dias – incluindo fins de semana, feriados e férias. Isso é um abuso da escola, porque a Convenção dos Direitos das Crianças diz claramente que elas têm dois direitos, expressos no artigo 28 – o direito à educação formal; e no artigo 31 – direito ao descanso, ao tempo livre e ao livre brincar. Para todos os estudiosos da infância, e do desenvolvimento infantil, a brincadeira é a experiência mais importante na vida de um homem e de uma mulher. Ao longo da vida, todo o cimento sobre o qual se constroem nossa formação e nossa cultura, foi adquirido nos primeiros anos de vida brincando. Além disso, brincar é a experiência que mais se parece à investigação científica e à experiência artística.
Nesse sentido, acredito que a escola deva ocupar a manhã e respeitar a tarde. Os deveres não contribuem em nada com a formação das crianças, atrapalham muito e impedem o brincar. Ao contrário, a escola deveria ser uma das mais interessadas no livre brincar das crianças, porque é assim que elas vivem experiências e emoções que amanhã poderão ser aportes à vida escolar. As boas escolas que eu conheci não enfocavam nos programas ministeriais ou nos livros, mas sim na experiência de vida dos alunos.
CE: Sobre a formação de professores, ainda há muitos desafios, considerando que nosso processo histórico nos afastou daquela que parece ser a principal função de uma escola. Por outro lado, não me parece que o senhor esteja falando de um professor fora do alcance, uma figura longínqua. Diante dessa nova/velha realidade, qual seria então o papel de um professor?  
"Temos que esquecer é que o papel de um professor seja ensinar"
“Temos que esquecer é que o papel de um professor seja ensinar”
Crédito: Fernando Moital
Tonucci: O que temos que esquecer é que o papel de um professor seja ensinar. Ensinar significa transmitir parte de uma cultura dos que sabem aos que não sabem. Essa ideia gira em torno de uma ideia muito antiga de que há um vaso vazio que precisa ser preenchido. Essa hipótese é equivocada: as crianças são completas desde que nascem e possuem tudo aquilo que necessitam para viver. A questão é que cada um está cheio de competências, desejos e habilidades diferentes do outro.
Então, um bom professor é aquele que escuta e passa a palavra para as crianças porque precisa conhecer o que eles sabem. Um bom professor é aquele que favorece o trabalho entre os alunos, porque sabe que as crianças são construtoras de conhecimento, não são passivas ou apenas receptoras de conhecimento. Mas isso só será possível se a formação desse professor considerar esses elementos.
O equívoco fundamental é que, a despeito de todas as reformas educacionais, os professores saem das universidades tendo feito anotações e avaliações nas quais devem repetir o que foi dito por seus professores. E está claro que, embora os conteúdos sejam modernos, isso não é suficiente para prover uma formação em conexão com os dias de hoje.
Dentro de uns anos, esse professor se encontrará em frente a uma sala de aula de 30 ou 40 crianças, pensando: o que faço agora? E retomará os últimos quatro, cinco anos de sua formação, sem encontrar nada que lhe seja útil para este tempo histórico. E o que fará, então? Retomará o que seus professores fizeram quando tinha cinco ou seis anos e estava na escola. Essa é uma das explicações do porque a escola não muda. O único modelo que funciona é aquele que os professores viveram quando eram crianças. Essa é a melhor garantia de conservação já criada na história.
A escola de formação dos professores deveria ser, portanto, muito parecida àquela que nós acreditamos que as crianças deveriam viver, com muitas linguagens, muita investigação científica, muita criatividade, com a possibilidade de viver experiências distintas, com trabalhos em grupo e, sobretudo, com autoria.  
CE: No contexto brasileiro, em que as mães estão trabalhando o dia inteiro, sobretudo as mulheres das classes mais pobres, a escola de tempo integral emerge como uma solução para essa equação de difícil equilíbrio. Gostaria de saber como a sua proposta de que as crianças tenham as tardes livres se relaciona com esses desafios contemporâneos da vida das famílias.
Tonucci: Creio que aqui se abre um tema mais complexo que é o tema da cidade. Algumas relações fundamentais, que antes estavam garantidas, se quebraram. Uma delas é a relação entre as famílias e a escola. Não sei como será no Brasil, mas na maioria dos casos não há mais uma relação de solidariedade e participação entre famílias e escola. A família está sempre em uma atitude conflituosa e está sempre denunciando o que ocorre na escola, o que deixa os professores muito preocupados. Há denúncias na Itália sobre avaliação negativa que professores deram a um estudante. Nunca conheci um bom professor que teve problemas com as famílias, porque ele sabe que uma de suas responsabilidades é ter uma boa relação com as famílias.
A outra relação que mudou é com a cidade. Antes, a cidade era o lugar das crianças. Eu me lembro que minha mãe nos enxotava de casa. Sendo de uma família humilde, ela não podia estar com as crianças dentro de casa, pois era impossível dar conta de todas as tarefas com meus irmãos e eu lá dentro. Portanto, dentro de um marco de regras claras de tempo, espaço, atitudes e de comportamento, nós saíamos de casa. Falo dessas regras porque não proponho a anarquia, proponho a autonomia. E a autonomia não é fruto do abandono, ela é resultado do amor e da confiança. Eu te deixo porque confio em você.
Autonomia não é fruto do abandono, ela é resultado do amor e da confiança
Isso tudo mudou completamente e hoje as famílias culpam a cidade. Dizem: “A cidade não permite a autonomia das crianças”. Eu acredito que muitas dessas razões, desses medos, não são verdadeiros ou não correspondem à realidade. E esse medo é “ajudado” muito pela política e pelos meios de comunicação, digo, a televisão dedica grande parte de seu tempo em descrever e comentar o que há de pior na sociedade. É claro que isso torna esses atos muito mais presentes, dolorosos e mais frequentes do que realmente são. Não temos dados de que as violências aumentam, mas sim que aumentam a visibilidade que têm. Outro dado é que a violência contra as crianças e mulheres não ocorre nas ruas, não é perpetrada por desconhecidos, mas em sua própria família ou por pessoas conhecidas e, quase sempre, queridas. Isso faz dessas violências ainda mais inaceitáveis, porque se aproveitam do afeto e do amor para chegar a esse resultado. Então, não me parece que seja a cidade o problema. Hoje podemos dizer, paradoxalmente, que os dois lugares mais inseguros para as crianças são sua casa e o carro de seus pais. Os acidentes mais frequentes são ou domésticos ou de carro. O melhor que podemos querer para as crianças é que saiam de casa.
Veja, repito, acredito que esse seja uma das mudanças mais profundas dos dias de hoje, a que diz respeito à queda da autonomia das crianças. Quando eu era criança, a autonomia de movimento que meu pai e eu tínhamos era quase igual. Nós dois tínhamos a bicicleta como meio de transporte e íamos circulando pela rua. A ideia de viajar não existia. Agora eu cruzo o oceano com facilidade e minha neta nem sai de casa. Ou seja, nossas experiências de mobilidade são muito diferentes. O que mais me impressiona é que as crianças perderam a possibilidade de sair de casa, enquanto as novas tecnologias lhes permitiram se conectar com o mundo e acessar informações que na minha infância eram impensáveis de se conseguir. Uma criança com enorme mobilidade cognitiva não pode sair de casa. Tenho medo que, dentro de pouco, os adultos digam que não vale à pena sair de casa porque temos esse meio que eu e você estamos utilizando para realizar essa conversa. Há momentos da vida que é preciso o toque, a briga, o contato.
"O que mais me impressiona é que as crianças perderam a possibilidade de sair de casa, enquanto as novas tecnologias lhes permitiram se conectar com o mundo"
“O que mais me impressiona é que as crianças perderam a possibilidade de sair de casa, enquanto as novas tecnologias lhes permitiram se conectar com o mundo”
Crédito: Bruno Fontes l Flickr/Creative Commons
CE: Quando se fala sobre o direito à cidade, nem sempre as crianças são nomeadas. Será que, ao não nomeá-las, corremos o risco de esquecê-las quando pensamos e projetamos o espaço urbano?
Tonucci: Sim. Isso significa ocupar-se de todos e não de um alguém. Essa foi a escolha ao dedicar o meu trabalho às crianças. Eu não quero uma cidade infantil, uma cidade pequena. Não quero uma cidade montessoriana. Quero uma cidade para todos. E para estar seguro de que não esquecerei ninguém, escolho o mais novo. Essa é a motivação cultural da Cidade das Crianças que, traduzidas em decisões administrativas, se trata de mudar três prioridades.
A primeira é passar dos adultos para as crianças. Os adultos e, sobretudo, os homens, tivemos a capacidade de reconstruir o que estava destruído no pós-guerra. Mas o fizemos para nós mesmos: adultos e homens. Essa cidade se desenvolveu assumindo as necessidades do adulto como sendo as necessidades da cidade. E, claro, o adulto levava consigo seu “brinquedo favorito”, que eram os carros. E as cidades assumiram características que o carro necessitava. Em relação ao desenho das ruas, foram diminuindo as calçadas e aumentando as ruas, para que os carros passassem.
A segunda é alterar a prioridade entre carros e pedestres. E isso tem um sentido profundo, porque não é apenas uma decisão psicológica, é uma decisão democrática, porque todos somos pedestres. Só depois de ser pedestre é que alguns escolhem o meio privado ou público, mas antes de tudo, somos pedestres. Portanto, inverter essa prioridade significa tornar as cidades mais democráticas. Isso implica redesenhar as ruas para que sejam, primeiro, à medida dos pedestres e, depois, das bicicletas, depois dos meios de transporte públicos e só depois dos meios privados. Quando cruzamos uma rua, temos que descer uma calçada, entrar na via e subir uma outra calçada. Ou seja, abandonamos nosso território de segurança e passamos por um caminho que não é nosso e é perigoso. Deveria ser o contrário: a calçada deveria entrar na via na mesma altura, de modo que, se eu estou com um carrinho de bebê, em cadeira de rodas, ou se levo compras, não preciso realizar esse movimento incômodo de descer e subir que fazemos hoje. O caminho dos pedestres deveria ser sempre o mesmo e os carros, que possuem motor, é que deveriam subir e descer, porque foram feitos para isso.
Algumas cidades no mundo estão assumindo essa proposta da Cidade das Crianças. Uma delas é Pontevedra, no norte da Espanha, na Galícia. O prefeito de Pontevedra disse que escutou uma palestra minha e que eu o convenci, justamente com esse argumento das prioridades. Então, seus assessores começaram a analisar as ruas dessa cidade que possui 80 mil habitantes e viram que a rua tinha, ao todo, nove metros de largura, sendo seis metros para os carros (ida e volta), mais o estacionamento, sobrando três metros para as calçadas que, divididas em dois lados, terminavam com 1,5m cada. Considerando o mobiliário urbano, os pedestres tinham cerca de um metro apenas para caminhar, o que os obrigava a andar em fila única. Então disseram: “Bom, façamos o que diz esse senhor, invertamos as prioridades!”. Como chove muito na Galícia, tomaram como base para definir o espaço dos pedestres que fosse possível passar duas pessoas com o guarda-chuva aberto. Esse foi o plano urbanístico da cidade. Somando o mobiliário urbano, chegamos à três metros de cada lado, totalizando seis metros para os pedestres. Lamentavelmente, sobraram apenas três metros para os carros. Sinalizaram todas as ruas e diminuíram drasticamente o espaço para os carros. Viram que, estreitando as ruas, a velocidade dos carros diminuía. Há estudos que mostram que, se a calçada tem menos de três metros, os carros não sobem mais de 30 km. Então, definiram que a velocidade da cidade inteira seria 30 km/h.
O prefeito da cidade, que é médico, me dizia que a 50 km/h morre um pedestre a cada dois. E a 30 km/h morre um a cada vinte. Essa me parece uma diferença importante. Com essas mudanças, eles reduziram em 60% a emissão de CO2. E são alguns anos sem mortos em acidentes de trânsito. Na itália, os acidentes de trânsito são a primeira causa de morte até os 26 anos. E os custos oriundos desses acidentes é de 2,5% do PIB. Isso indica que realizar essas mudanças implica economizar muito dinheiro e salvar muitas vidas.
A terceira é inverter a prioridade entre bairro e cidade. Claro que falar de Pontevedra a uma pessoa que vive em São Paulo pode ser ridículo, mas não é, porque São Paulo pode ser a soma de muitas Pontevedras, depende de como você olha para a cidade. Você pode projetar e olhar de cima, desenhando muitas linhas, traçando caminhos até onde você está, ou o contrário, definindo as regras que devem valer dentro de um bairro, já que todos vivemos em um bairro. Por isso, é importante garantir um elevado grau satisfatório – da felicidade que falávamos antes – dentro dos bairros. Temos que pensar que nos bairros deveria ser possível viver bem, mover-se com tranquilidade, que todos pudessem viver de forma autônoma, os idosos para comprar seu jornal, as crianças para ir à escola. Uma vez definidas as regras dos bairros, haveria que aplicá-las à cidade. Isso significa, por exemplo, que uma estrada não passaria dentro do bairro, como acontece em várias cidades italianas. Ela deveria contorná-lo. “Mas então não será reta?”, perguntarão. “Não”. “Mas se não for reta, será menos veloz?”. “Sim, será menos veloz”.
"Fonte das Crianças" é um marco da cidade galega de Pontevedra.
“Fonte das Crianças” é um marco da cidade galega de Pontevedra.
Crédito: littlevigo.com/reprodução
CE: Como fazer com essas prioridades sejam invertidas e assumidas por quem detém o poder da decisão nas cidades, considerando a diversidade de interesses que a compõe?
Tonucci: Nossa proposta é uma proposta política e a colocamos nas mãos dos prefeitos. São poucos os prefeitos capazes de escutar as crianças de verdade. Há muitos que querem escutá-los aparentemente, como forma de publicidade, para sair em fotos na imprensa. Nós renunciamos a todos esses dispositivos. As crianças que participam do Conselho das Crianças são escolhidas a partir de sorteio. Ou seja, não são os pequenos políticos profissionais da escola. Te digo isso porque acredito que a resposta para o que você pergunta só pode ser a participação. O interessante de incluir as crianças é que eles não têm interesses como nós, ou seja, interesse de dinheiro, de poder. Tudo isso está bastante fora do mundo infantil. Trabalhamos com crianças bem pequenas, que expressam de forma muito simples suas necessidades mais fundamentais. Nesse diálogo, acredito que um bom administrador pode encontrar força para colocar-se ao lado de todos os cidadãos, sem perder ninguém. É uma escolha de valor, porque as crianças levam consigo um conflito. E a cada proposta que fazem, abrem um conflito com os adultos.
Hoje vivemos um conflito novo entre as crianças e seus pais, porque as crianças pedem à escola e à cidade, mais autonomia e mais liberdade. E seus pais pedem à escola e à cidade, mais controle, mais vigilância e mais proteção. São duas visões conflitivas e devemos escolher de que lado estamos. Temos que saber que, se estamos com os pais, estamos contra os filhos, porque se aumenta o controle, diminui a autonomia. Mas se estamos com os filhos, não estamos contra os pais, porque quanto mais as crianças tiverem autonomia, mais autonomia terão seus pais. E isso eu aprendi observando e refletindo sobre as batalhas de vocês, mulheres. Tudo o que vocês conquistaram melhorou o mundo. E eu acredito que isso vale para as crianças também: tudo o que fazemos para que seja melhor a vida das crianças, faz com que seja melhor a vida para nós e para a cidade, como um todo.
Não é fácil encontrar prefeitos que se coloquem ao lado das crianças, porque isso os coloca em conflito com seus eleitores, que são os pais. Por isso falo com muito orgulho dessa experiências de Pontevedra, porque o prefeito praticamente retirou os carros da cidade, mas segue sendo eleito por sua população.
CE: Essas medidas parecem impor à gestão pública um trabalho intersetorial. O senhor poderia falar sobre isso?
Tonucci: Colocamos essa proposta na mão do prefeito porque sabemos que é transversal, ou seja, não deve estar dentro de uma secretaria apenas. Deve envolver a cidade como um todo, de forma intersetorial. É uma proposta para administradores inquietos, para administradores que veem que o que está ocorrendo está mal, que o que fizemos até hoje não resolveu nossos principais problemas. Creio que a Victória, uma menina de Rosário (Argentina), que participa do Conselho das Crianças, resume bem: “Tudo o que está ocorrendo é culpa dos adultos. É preciso limitar o poder dos adultos”.
Esse me parece um diagnóstico claro de como vão as coisas. E acredito que isso se relaciona com o que você falou sobre os interesses que compõem a cidade, sobre quem tem poder na cidade. É preciso reduzir o poder dos que têm poder. E as participações são a forma democrática de reduzir esse poder. Essa é uma proposta complexa porque significa renunciar à parte desse poder.

Fonte:  http://cidadeseducadoras.org.br/reportagens/francesco-tonucci-a-crianca-como-paradigma-de-uma-cidade-para-todos/
Publicado dia 21/09/2016

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Sobre a Base Nacional Comum

A brincadeira ensina, sim.

A especialista Claudia Costin diz que a nova base curricular para crianças de zero a 6 anos avança ao propor uso produtivo do tempo na escola

O americano James Heckman, prêmio Nobel de Economia, foi o primeiro a calcular em que medida investir em crianças pequenas tem um efeito para elas e para o país em que vivem. Concluiu que um bom empurrão dado desde muito cedo produz adultos com chances exponencialmente maiores de prosperar. Por isso é tão bem vinda a iniciativa brasileira de elaborar uma Base Nacional Comum Curricular para a educação infantil, homologada pelo Ministério da Educação nesta quarta-feira (20), com o objetivo de demarcar metas para o aprendizado. Nesta etapa, a ciência de ensinar costuma ceder lugar a atividades guiadas por pura e simples intuição.
A base curricular é um ponto de partida. Seu sucesso dependerá de como estados e municípios converterão a letra fria em bons currículos para creches e pré-escolas. A especialista Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas, se debruçou sobre o texto recém-aprovado, que será implantado a partir de 2019. Ela faz a VEJA sua avaliação do documento.
Mesmo com críticas pontuais, a base curricular do ensino infantil foi celebrada pela maioria dos educadores. Há motivos? Sem dúvida. Antes de tudo porque a base ajuda a romper uma ideia antiga de que educação infantil é sinônimo de livre brincar. Já existe hoje conhecimento acumulado sobre como fazer das atividades na creche ou na pré-escola algo que conduza a criança em suas primeiras descobertas. A brincadeira com intenção pedagógica é o que faz diferença.
Não há certo exagero nisso? Não, desde que não se incorra no equívoco oposto, de expor a criança a um excesso de conteúdos não condizente com a sua idade e à pressão desnecessária.
O documento do MEC flerta com o excesso? Não. Ele vai direto ao ponto: mesmo as atividades para crianças pequenas precisam ser planejadas pelo professor.
E normalmente não são? Muitas vezes, não. Há um medo bobo de que qualquer iniciativa nesta linha vá comprometer a brincadeira.
O que deve se esperar que aprendam nesta fase da vida? O valor dos livros, por exemplo. Existem evidências de que a exposição sistemática a um ambiente de estímulo à leitura ajuda a sedimentar a ideia de que eles são importantes, interessantes, cheios de histórias. Isso contribui para formar futuros leitores, além de expandir o vocabulário. E, como se sabe, o domínio das palavras é crucial para aprender em qualquer área.
A tão temida matemática também já deve ser apresentada nesses primeiros anos? Sim, até para ser menos temida. Estamos falando de noções elementares, como tamanho e quantidade, coisa que a base do MEC contempla. O desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como persistência e trabalho em grupo, também estão lá. Não dá mais para imaginar uma escola que não preste atenção a elas.
E o que a base deixou de contemplar? Acho que faltou dizer com todas as letras que a criança precisa conhecer o alfabeto na pré-escola. Não é saber ler, mas sim se familiarizar com o código. Ela não vai chegar a ele sozinha.
Como os pais podem fazer bom uso do documento do MEC? Eles devem lê-lo com atenção para saber o que cobrar da escola e como dar o apoio em casa. Agora têm uma bússola.
 
Fonte:  https://www.facebook.com/institutoveracruz.oficial/

Ano novo, novas experiências, novas oportunidades.

E assim inicio o ano de 2018.
Como Gestora encerrei o ano de 2017 com o sentimento de dever cumprido. Muitos agradecimentos a Deus, a minha família, , a Secretaria de Educação de Nova Lima, aos funcionários do CEI Maria de Lourdes Scoralick Serretti, às famílias e crianças. Quanto aprendizado!!! Foram 06 anos de dedicação a um trabalho de qualidade, muitos desafios .... mas uma grande conquista para nossa cidade, para nossas famílias, para nossas crianças...
Quando tudo começou, tudo era novo e conseguimos criar uma instituição referência no trabalho com a criança pequena em nossa cidade. Feliz demais por tantas conquistas!!!
Mas é chegada a hora de buscar outras experiências, novos desafios ... estudar quem sabe, afinal como gestoras acabamos por nos envolver demais em outras demandas e distanciarmos do pedagógico.
Agora com mais tempo, estarei sempre por aqui.
Beijocas coloridas para você!!!