O
brincar é uma das formas privilegiadas de a criança se expressar,
relacionar
se, descobrir, explorar, conhecer e dar significado ao mundo. Brincando, constrói sua subjetividade, constituindo-se como sujeito humano em uma determinada cultura. É, portanto, uma das linguagens da criança e, como as demais, aprendida social e culturalmente.
se, descobrir, explorar, conhecer e dar significado ao mundo. Brincando, constrói sua subjetividade, constituindo-se como sujeito humano em uma determinada cultura. É, portanto, uma das linguagens da criança e, como as demais, aprendida social e culturalmente.
Existem
vários estudos em torno do brincar, oriundos de diversas áreas do conhecimento:
da psicologia, da sociologia, da antropologia, da filosofia. Cada uma dessas
áreas apresenta contribuições importantes para compreender essa linguagem. A
ideia do lúdico (derivada de ludere,
que tem o sentido de ilusão, simulação)
perpassa todos esses estudos, trazendo-nos a compreensão do brincar como
capacidade do ser humano de transformar uma coisa em outra, de dar significados
diferentes a um determinado objeto ou ação. Por exemplo, a criança tem a
capacidade de transformar um pedaço de pau em um avião ou de reconhecer em um
monte de areia um delicioso bolo de aniversário.
O olhar da psicologia
A psicologia traz importantes contribuições sobre o brincar e o papel do
brinquedo no desenvolvimento e aprendizagem humanos. Do ponto de vista da
psicanálise, o brincar cumpre um importante papel como forma simbólica de
expressar desejos insatisfeitos, bem como tensões, medos e angústias.
Já Piaget relaciona o
brincar ao desenvolvimento das estruturas cognitivas, propondo, assim, três
categorias de jogos: primeiramente se refere aos jogos de exercício, característicos do período sensório-motor
(crianças de 0 a 2 anos aproximadamente); depois viriam os jogos simbólicos ou jogos de faz-de-conta,
característicos do período pré-operatório (de 1 ano e meio a 5
aproximadamente); depois os jogos de regras, que são desenvolvidos a partir do
período das operações concretas, que se inicia por volta dos 6 anos.
De acordo com a perspectiva histórico-cultural, essa capacidade de
brincar se constrói na relação entre o biológico e o cultural. Os teóricos
dessa corrente, em seus estudos, concluíram que, na tentativa de compreender o
mundo adulto, as crianças buscam imitá-lo e, já que não podem vivenciar
plenamente as atividades experienciadas pelos adultos (como trabalhar,
cozinhar, dirigir etc.), fazem-no por meio do brincar, do faz-de-conta, atribuindo os
significados desejados aos objetos a que têm acesso e às situações que
organizam.
Vygotsky (1984) afirma que, embora
nesse momento a criança ainda precise de um objeto que represente a realidade
ausente (por exemplo, ela precisa de um pedaço de pau ou de algum outro objeto,
para representar um avião), essa ação de desprender-se do objeto concreto que
tem em mãos (o pedaço de pau), dando-lhe outro significado (a ideia de avião), é um importante passo no
percurso que a levará a desvincular-se totalmente das situações concretas,
conforme acontece no pensamento adulto. Desse modo, o brincar de faz-de-conta
tem um papel fundamental no desenvolvimento da capacidade de abstração da
criança.
Na evolução dessa
capacidade de brincar, as crianças passam também a representar pessoas, no jogo
de papéis, quando, por exemplo, fazem de conta que são a mãe ou o pai ou a professora. Progressivamente, desenvolvem
jogos coletivos, que são fundamentais no desenvolvimento cognitivo. Isso
porque, além de desempenharem o seu papel nesses jogos, elas têm que coordenar
suas ações com os papéis desempenhados pelos outros sujeitos envolvidos na
brincadeira (ELKONIN,1998).
O
aprender a lidar com regras e a desenvolver o autocontrole são também
capacidades propiciadas pelo brincar, de acordo com os estudiosos da psicologia
histórico-cultural. Eles verificaram que, tanto os jogos de regras,
propriamente ditos, quanto as brincadeiras de faz-de-conta são regidos por
regras. No primeiro caso, elas são explícitas. Por exemplo: as regras definidas
para um jogo de futebol (ex: derrubar o adversário na área é pênalti); para uma
brincadeira de pique-esconde (ex: o primeiro a ser encontrado é o próximo a ser
o pegador); ou para um jogo de damas (ex: no tabuleiro, só se podem movimentar
as pedras para a frente, a não ser a dama).
Já no caso da brincadeira de
faz-de-conta, embora predomine a imaginação, as regras estão implícitas. Assim,
por exemplo, numa brincadeira de lojinha,
as crianças precisam definir o que a loja vai vender, quem vai ser o caixa e
qual o seu papel, quem será o vendedor, o comprador, onde serão dispostas as
mercadorias e como pagá-las.
São regras necessárias para que a brincadeira se estruture e vão se
construindo no próprio brincar. E essas regras não podem ser burladas, senão a
brincadeira desanda. Por exemplo, não cabe na lojinha alguém assumir o papel de professor e começar a dar
aulas. Desse modo, no faz-de-conta, para brincar de acordo com as regras, as
crianças têm que se apropriar de comportamentos e criar cenários próprios e
adequados à brincadeira escolhida. Segundo Vygotsky, essa é uma atividade
complexa, que contribui para que a criança compreenda o universo dos papéis que
desempenha, impulsionando o seu desenvolvimento.
O olhar da sociologia da infância
Mais recentemente, a sociologia da infância tem trazido contribuições que
vêm complementar as ideias da psicologia, nessa perspectiva histórico-cultural.
Assim, reconhecendo a infância como uma categoria social, os pesquisadores da
sociologia da infância têm se debruçado sobre o brincar como atividade
complexa, que permite às crianças construírem uma ordem social própria. De
acordo com Sarmento, embora o brincar não seja exclusivo das crianças, “a
ludicidade constitui um traço fundamental das culturas infantis”
(SARMENTO,1997, p.25). Para esse autor, o brincar é a condição
de aprendizagem da sociabilidade.
Junto
a seus pares, e essencialmente por meio das brincadeiras de faz-de-conta, as
crianças produzem e partilham uma cultura da infância, constituída por ideias,
valores, códigos próprios, formas específicas de compreensão da realidade, que
lhes permitem não apenas reproduzir o mundo adulto, mas (re)significá-lo e
reinventá-lo, num processo de reprodução interpretativa.
Para melhor compreender essas ideias, será analisada a brincadeira de um
grupo de crianças de 5 anos numa Instituição de Educação Infantil (IEI):
A professora propôs que as
crianças escolhessem as atividades que desejassem realizar naquele momento.
Lia e Joyce correm para um canto
da sala, onde há brinquedos diversos, fantasias, maquiagens, sucatas. Lia
convida a colega para brincar de casinha e logo informa que vai ser a mãe.
Joyce diz que também quer ser a mãe.
_ “Mas tem que ter filha!”, diz
Lia.
_ “Então fica duas mães e as
bonecas eram as filhas”, diz Joyce, pegando duas bonecas que estavam
dispostas na prateleira e dando uma para Lia.
_ “As mães vão levar as filhas
prá passear”, diz Lia.
_ “Ah, não! A gente vai ao
salão”(salão de beleza),retruca Joyce.
_ “Já sei! As mães vão arrumar o
cabelo no salão e depois vão passear com as filhas”, contemporiza Lia.
Nesse momento Luana se aproxima e
pergunta de que as colegas estão brincando. Depois que explicam, ela diz que
também vai brincar.
_ “Só se você for a moça do
salão.”
Luana logo começa a arrumar os
apetrechos para o funcionamento do salão. As amigas chegam com suas “filhas”
e começam a ser maquiadas e penteadas.
Depois de terminado o serviço, Luana
diz:
_ “É dez reais!”
Lia ( que não havia pensado em
dinheiro)improvisa:
_
“Ah, já sei! Isso aqui vai ser o dinheiro!” (pegando uns pedaços de
papel que estavam na estante e escrevendo uns números).
_ “Agora as mães vão levar as
filhas pra passear na praça.”
Luana se adianta e diz:
_ “Faz de conta que na praça
tinha uma loja de sorvete e sanduíche. Aí eu era a dona, tá?”
_ “Mas a dona da loja vai dar
sanduíche e sorvete pra todo mundo!”
_ “Tá!”
E a brincadeira continua...
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Ao analisar esse momento a partir de referenciais apontados por Ferreira
(1997), percebe-se que, para efetivarem a brincadeira, essas três crianças
precisaram desenvolver ações comuns, que exigiram envolvimento mútuo, com um
entendimento mínimo entre elas, partilhado e acordado verbalmente ou
tacitamente. Isto é, para brincarem, tiveram que negociar papéis (quem ia ser a
mãe, a filha, a dona do salão...), imaginar cenários (onde aconteceria a
brincadeira: em casa, no salão, na praça...) e a pensar a trama (as mães iriam
ao salão e depois levariam as crianças para passear na praça....).
Para que a brincadeira fosse bem sucedida, cada participante teve que
assumir o seu papel de acordo com a função que o outro assumia e desenvolver as
ações previstas para o papel, em resposta às ações do outro (para ter mãe,
alguém tinha que cumprir o papel de filha; para ter uma dona de salão de
beleza, devia haver alguém que se dispusesse a ser penteada e maquiada e que,
depois, se dispusesse a pagar pelo serviço...).
Foram necessárias sucessivas negociações realizadas por meio de
interações verbais e não-verbais para chegar a ações comuns. Houve disputas
entre os pares para chegar a um consenso. Precisaram, ainda, no processo da
brincadeira e por meio dessas interações, re-negociar papéis e a trama (a
entrada de uma amiga que cumpriria o papel de dona do salão de beleza e,
depois, de dona da loja, o uso do dinheiro, a proposta de que os sanduíches e
sorvetes fossem de graça...).
Todas essas ações são marcadas pela não literalidade, isto é, pela simulação,
uma vez que as crianças, de forma consciente, fazem de conta que são outras
pessoas, cumprindo papéis reversíveis (ora são mães, ora são clientes do salão
de beleza, ora são donas de salão, ora são donas de loja), reproduzindo e
transformando a realidade que deu origem à brincadeira ( as mães e filhas vão
passear numa praça, onde há uma loja de sanduíche e de sorvete que não cobrará
por essas guloseimas). É a ação não literal que permite ao brincar estar
defendido de consequências, possibilitando essa reprodução interpretativa da
realidade.
Outro
pressuposto do brincar que permite às crianças a aprendizagem da sociabilidade
e a construção de sua ordem social é a repetição. Dessa forma, num contexto
mais estável, como, por exemplo, o propiciado por uma IEI, onde as mesmas
crianças costumam estar sempre juntas, as brincadeiras tendem a se repetir:
repetem-se os temas, os papéis assumidos, as regras definidas, as tramas. Essa
repetição das interações, criando padrões de ação conhecidos para os atores envolvidos,
reforça as relações sociais entre as crianças e possibilita sua transferência
para outros espaços e atividades (FERREIRA, 1997, p. 92).
Assim, no brincar, as crianças aprendem como interagir, a construir e a
reconstruir as relações sociais como sujeitos competentes, membros
participantes e integrados no grupo de crianças. A criação de regras, às quais
todos devem se submeter, além de permitir ao grupo se autoestruturar,
possibilita a cooperação entre as crianças. Como afirma Corsaro (1997, apud FERREIRA, 1997, p. 94), o brincar
cria oportunidades para as crianças se sentirem parte de um grupo, para fazerem
e encontrarem amigos, conseguindo, assim, participar de uma cultura de
crianças.
Outros olhares
Numa perspectiva mais
filosófica, destacam-se as contribuições de Johan Huizinga (2000) e Roger
Callois (1990). Esses autores apontam uma série de características para o jogo,
que nos possibilitam defini-lo como atividade livre, voluntária, delimitada no
tempo e no espaço, regida pela imaginação e por regras próprias de organização.
De acordo com esses autores, nesse tipo de atividade predomina a incerteza, não
se podendo prever os rumos que serão seguidos pelos brincantes, nem quais serão
as suas consequências. É no processo, e não no produto, que se encontra o valor
e a riqueza dessa linguagem.
Poder-se-ia, ainda, ressaltar que, de acordo com essa perspectiva, o
sentido do brincar é dado pelos sujeitos que brincam, possibilitando a
significação e a re-significação do mundo por eles. É uma atividade permeada
por valores, atitudes e expressão de sentimentos. A flexibilidade é também
considerada como componente essencial dessa linguagem.
A partir de todas essas contribuições, pode-se considerar, portanto, o
brincar um importante espaço de expressão, de aprendizagem sobre o mundo
natural e social e, ao mesmo tempo, uma possibilidade de a criança transformar
essa realidade, desenvolvendo a capacidade de imaginar, de ir além. Pode-se,
também, compreendê-lo como lugar privilegiado de construção da sociabilidade,
de relações éticas e estéticas, enfim, como espaço de constituição da
identidade pessoal e social do indivíduo.
Ao
longo da história da humanidade, foram sendo criadas brincadeiras que trazem as
marcas das diferentes culturas, e essas são transmitidas de geração a geração.
Nos dias atuais, além desse patrimônio histórico e cultural, há uma intensa
produção de brinquedos e brincadeiras que os adultos criam para as crianças,
carregada de valores que circulam no mundo contemporâneo.
Existem também brincadeiras produzidas pelas próprias crianças, como
forma de representarem, simbolicamente, o mundo em que vivem. Há, portanto, um
acervo de jogos e brincadeiras que é apropriado e reinventado pelas crianças
nas interações com os adultos ou com seus pares. Assim, elas brincam de
faz-de-conta, de brincadeiras cantadas, de brincadeiras tradicionais, de jogos
de competição, de jogos de mesa, de jogos de sorte e azar, de jogos de
linguagem, brincam em brinquedos de escorregar, balançar, rodopiar, enfim,
vivenciam plenamente o brincar, mesclando as diversas linguagens.
O brincar na escola
E qual é o papel da Instituição de Educação Infantil em relação ao
brincar?
Muitas são as formas de conceber e de trabalhar o brincar nas IEI.
Alguns professores veem o brincar em uma instituição educativa apenas
como estratégia para ensinar determinados conteúdos. Por exemplo: destituem os
jogos de bingo, boliche, amarelinha e outros de suas características como
brincadeiras, utilizando-as apenas para ensinar as letras, os numerais ou
operações matemáticas.
Em outras situações, é comum professores deixarem as crianças livres para brincar, apenas como forma
de ocupar o tempo delas na IEI, ou mesmo para os adultos ficarem livres para
conversar, arrumar o armário, organizar os materiais.
Tanto uma quanto outra dessas formas de propiciar o brincar na
instituição evidenciam o desconhecimento do sentido do brincar e da importância
de uma ação intencional do professor no desenvolvimento de atividades com essa
linguagem.
Já os professores que concebem o brincar como uma forma privilegiada de a
criança ser e estar no mundo e reconhecem a importância de essa linguagem ser
propiciada às crianças, desde muito cedo e de modo intencional na IEI, permeiam
sua prática cotidiana com uma postura lúdica. Nesse sentido, favorecem sempre
nas crianças a capacidade de imaginar, de transformar uma coisa em outra, de ir
além do instituído. Além disso, envolvem-se nas brincadeiras das crianças e
organizam seu trabalho levando em conta uma concepção clara e consistente do
brincar.
a) É assim que uma professora de crianças
de 0 a 18 meses, por compreender que nessa faixa etária a criança está
iniciando o processo de construção da função simbólica e que o brincar se funde
com a exploração do corpo, dos espaços e dos objetos, organiza o berçário com
diferentes brinquedos (bolas, objetos que rolam, que produzem sons, que podem
ser enfiados, sobrepostos, colocados uns dentro dos outros), com obstáculos e
objetos para as crianças ultrapassarem, subirem, descerem, esconderem, rolarem
etc. Consciente do seu papel de ensinar e enriquecer o brincar das crianças, a
professora movimenta-se por todos os lugares onde elas estão, intervindo de
maneira diferenciada em relação a cada uma delas, em função de suas curiosidades,
escolhas, manifestações e das explorações que realizam: nomeia e dá
visibilidade aos movimentos das crianças, envolve-se em suas brincadeiras,
completando-as e acrescentando novos elementos. Enfim, fica atenta, acolhe,
valoriza e potencializa o que fazem. Introduz, inclusive, as crianças no
faz-de-conta, brincando com elas de esconde-esconde e, até mesmo, transformando
o significado de alguns objetos (por exemplo, brincando de “mamadeira” com um
cilindro de plástico).
b) No
trabalho de uma professora com crianças de 2-3 anos, pôde-se perceber sua
preocupação em trazer brincadeiras cantadas tradicionais, pertencentes ao
acervo cultural, como “bambalalão”, “serra-serra serrador” e outras. Ela
propiciava, também, várias situações em que o faz-de-conta estava presente,
além de propor jogos com regras simples – muitas vezes partilhados com as
crianças maiores da IEI –, dos quais as crianças pequenas participavam com
entusiasmo, embora, muitas vezes, não conseguissem cumprir as regras tais como
foram definidas nesses jogos.
c) Essas mesmas brincadeiras e outras que
envolvem regras mais complexas são propostas cotidianamente por uma professora
de crianças de 5 anos, que, inclusive, a partir da ideia de uma criança do
grupo de fazer um estilingue, desenvolveu um projeto sobre “brinquedos e
brincadeiras”. Nele foram construídos pelas crianças, com a ajuda da
professora, vários brinquedos (cavalinho, arco e flecha, bichinhos de legumes,
iôiô, peteca, bilboquê, vai-e-vem, bola de meia, pé-de-lata, bonecas, móveis em
miniatura, telefone sem fio). Foram também resgatados, junto às famílias, jogos
e brincadeiras, que foram ensinados e vivenciados pelas crianças.
No trabalho pedagógico com essa faixa etária, os jogos de faz-de-conta
ocupam também um lugar muito importante e são organizados de forma mais
estruturada pelas crianças maiores. A professora deve favorecê-los e
enriquecê-los. Eis alguns exemplos:
Uma educadora, no seu cotidiano, propiciava
momentos em que as crianças escolhiam o quê, com quem e como iam brincar, tendo
à sua disposição caixas diversas: de fantasias, de material não estruturado
(papel, pedaços de pano, cabo de vassoura, sucata em geral) e de material
estruturado (panelinha, copinho, talheres, bonecas, carrinhos, bombas de
gasolina, rampas para automóveis, esmalte, lixa, objetos para maquiagem, xampu,
creme e aparelho de barbear, miniaturas de instrumentos de médico etc.).
Algumas crianças escolheram brincar de futebol, outras preferiram subir nas
árvores e outras, ainda, se organizaram em torno desses materiais, brincando de
“castelos e princesas”, de “ salão de beleza” e de “consultório médico”.
A professora observava os diversos grupos e, em
alguns momentos, envolvia-se na brincadeira ou fazia alguma intervenção para
ampliar o seu conteúdo ou fazer algum questionamento relativo à postura ética
entre as crianças. Por exemplo:
- envolveu-se na brincadeira de “castelos e
princesas” e transformou-se, a pedido das crianças, em rainha. Como tal,
percebendo a sutil discriminação que faziam em relação a uma criança negra,
incluiu-a como mais uma das princesas do reino;
- no “salão de beleza”, entrou como uma “
cliente” e solicitou serviços que não estavam em pauta naquela brincadeira,
enriquecendo-a. Assim, pediu que marcassem na agenda do salão um horário para cortar
seu cabelo e, ao final, fez de conta que pagava pelo serviço;
- entrou na brincadeira do “consultório
médico”, solicitando a receita e, depois, simulou a leitura da bula antes de
dar o remédio para seu filho;
- interveio numa briga que aconteceu no jogo de
futebol, levando as crianças a refletirem sobre as regras que haviam
estabelecido e sobre a forma de agirem um em relação ao outro.
Assim, se o brincar é reconhecido como uma das importantes linguagens que
permitem às crianças compartilhar os significados da cultura e construir sua
identidade social e pessoal, é fundamental, numa instituição educativa, que ele
constitua uma das formas de mediação das relações estabelecidas com as crianças
e delas com outros sujeitos e com os objetos.
Nesse sentido, é necessário que se explicite, na proposta pedagógica da
IEI, o papel do professor, qual seja:
· propiciar e incentivar, nas diversas situações
do cotidiano, que as crianças imaginem, que transformem uma coisa em outra, que
possam ir além do que está instituído;
· fazer da brincadeira momento de conhecimento e
de convivência com e entre as crianças, observando o que fazem e como fazem (o
que elaboram, o que imaginam, como lidam com as regras, como se relacionam
etc.);
· criar oportunidades para que as crianças construam
as próprias brincadeiras e as partilhem com seus pares, potencializando-as;
· organizar espaços, tempos e materiais
(estruturados e não-estruturados), para que o faz-de-conta e todos os outros
tipos de brincadeiras aconteçam;
· trazer as brincadeiras para a IEI como
patrimônio cultural a ser apropriado pelas crianças, buscando-as em várias
fontes e permitindo que a diversidade enriqueça a prática pedagógica;
· colocar-se como brincante e envolver-se nas
brincadeiras das crianças;
· ensinar, enriquecer, aprender e transformar com
as crianças os vários modos de brincar, resgatando o lúdico existente dentro de
si e brincando com elas de forma prazerosa;
· mediar as relações estabelecidas pelas crianças
durante as brincadeiras, possibilitando que elaborem valores éticos de
respeito, cooperação, solidariedade, tolerância, confiança, entre outros;
· propiciar que as crianças aprendam a lidar com
as regras;
· respeitar o direito das crianças de decidirem
sobre o quê, como e com quem brincar;
· criar oportunidades para que as crianças menores
e maiores brinquem entre si, favorecendo a aprendizagem e a produção de
conhecimentos, entre elas, sobre o brincar.
Enfim, ao compreender a importância do brincar para as crianças, o
professor de uma Instituição de Educação Infantil tem o importante papel de
favorecer que ele aconteça, de forma bastante rica, no cotidiano de sua prática
pedagógica.
Referências
Imagens do Blog/crianças do CEI Maria de Lourdes Scoralick Serretti
Imagens do Blog/crianças do CEI Maria de Lourdes Scoralick Serretti
Fátima Regina Teixeira de Salles Dias **
Vitória Líbia Barreto de Faria ***
**Psicóloga e Especialista em Educação Infantil; Integrante do Núcleo de Estudos Infância e Educação Infantil da FaE/UFMG; Consultora e autora de publicações na área de Educação Infantil; Coordenadora de programas de formação de profissionais da Educação Infantil.
E-mail: frsalles@reitoria.ufmg.br
***Mestre em Educação (Universidade Federal de Minas Gerais); Consultora e autora de publicações na área de Educação Infantil; Coordenadora de programas de formação de profissionais da Educação Infantil na área de Educação Infantil. E-mail: viclifaria@yahoo.com.br
* Texto elaborado originalmente para compor material didático para o Curso de Pedagogia da Universidade Aberta da UFMG, Belo Horizonte/MG, 2008.
Sugestões de leitura
CALLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Lisboa: Cotovia, 1990.
CARVALHO, Alysson C; DEBORTOLI, José Alfredo; GUIMARÃES, Marília; SALLES, Fátima (Org.). Brincar(es). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.193 p.
CALLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Lisboa: Cotovia, 1990.
CARVALHO, Alysson C; DEBORTOLI, José Alfredo; GUIMARÃES, Marília; SALLES, Fátima (Org.). Brincar(es). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.193 p.
ELKONIN,D.B. Psicologia
do jogo. São Paulo: Martins Fontes,1998.
FERREIRA,
Manuela. Do “Avesso” do Brincar ou...as Relações entre Pares, as Rotinas da
Cultura Infantil e a Construção da(s) Ordem(ens) Social(ais) Instituinte(s) das
Crianças no Jardim-de-Infância. In: PINTO, Manuel e SARMENTO, Manuel Jacinto. As Crianças: Contextos e Identidades
(Coord.). Centro de Estudos da Criança. Universidade do Minho, 1997.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva,
2000.
OLIVEIRA, Marta
Kohl. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio –histórico.
São Paulo: Editora Scipione, 1997.
SARMENTO, Manuel Jacinto e PINTO, Manuel . As Crianças: Contextos e Identidades (Coord.). Centro de Estudos
da Criança. Universidade do Minho, 1997.
SALLES, Fátima e FARIA, Vitória. Currículo na Educação Infantil: Diálogo com os demais elementos da
Proposta Pedagógica. São Paulo: Editora Scipione, 2007.
SARMENTO, Manuel Jacinto. “Sociologia da Infância: correntes,
problemáticas e controvérsias”. Sociedade e Cultura 2. Cadernos do
Noroeste, Série Sociologia, v.13 (2), 2000, p.145-164.
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