Masturbação infantil: como lidar com a descoberta dos órgãos sexuais pelas crianças?
Especialistas enfatizam a importância de pais, professores e demais agentes pedagógicos de meninos e meninas a não se deixarem contaminar pelo olhar adulto. Para a criança, a masturbação nada mais é que uma exploração biológica do próprio corpo que é prazerosa e, portanto, vai se repetir
É consenso entre especialistas
que bater, xingar, reprimir não é o caminho para tratar a masturbação na
infância. Livro: 'Mamãe como eu nasci?', de Marcos Ribeiro |
Ilustração: Bia Salgueiro
“Mamãe, tenho que te contar um segredo: mexe lá na perereca para você
ver o tanto que é gostoso”. A frase é de uma menina de 5 anos. A mãe,
que não será identificada, conta que achou engraçada a ingenuidade da
filha. A solução que encontrou foi orientá-la a ter cuidado para não se
machucar já que, por ter a pele sensível, a garotinha ainda usa pomada
contra assadura. A dificuldade do adulto em lidar com cenas da
masturbação infantil ou atos de interesse nos genitais de outras
crianças está marcada pela carga cultural que envolve a sexualidade. “O
prazer do adulto está além do físico, a excitação passa pela fantasia.
Para a criança, é apenas uma experiência sensorial: ela descobriu que é
gostoso e vai repetir”, explica a psicóloga e doutoranda em educação na
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Anna Cláudia Eutrópio B.
d'Andrea.
Ainda assim não é raro que
os pais se assustem quando confrontados com a questão. Muitos podem
relutar em admitir o que estão presenciando, talvez por não se lembrarem
de situações semelhantes já vividas no passado. Mas um teste rápido é
capaz de comprovar que o interesse pelos genitais não é fato isolado.
Experimente perguntar às pessoas ao seu lado se elas se lembram de algum
episódio durante a infância de brincadeiras sexuais consigo mesmas ou
com pessoas próximas. No teste da repórter na redação, dois episódios
logo surgiram. No primeiro, um estudante de 7 anos que encontrou dois
coleguinhas sem calças na hora do recreio e chamou a professora
imediatamente. Não por que intuiu alguma "coisa errada", mas por que
queria brincar naquele lugar. No segundo, uma filha avisou ao pai que
assistia à televisão: ‘vou ali no quartinho e não quero que você entre
lá’. Obviamente ele foi atrás e encontrou a filha pelada em cima do
irmão mais velho, também uma criança sem roupas.
Psicóloga,
professora da PUC Minas e coordenadora da educação infantil da escola
Balão Vermelho, em Belo Horizonte, Adriana Monteiro reforça a
importância de o tema ser compreendido como uma curiosidade natural da
criança. “É uma forma de exploração corporal como colocar a mão na boca,
a semente do feijão no ouvido ou morder o coleguinha para poder
conhecer o corpo do outro. Quando descobre os órgãos genitais a criança
vai sentir prazer na descoberta e insistir no comportamento”, salienta.
Para Adriana, uma das grandes dificuldades está no fato de as escolas
não saberem lidar com o tema e terem uma abordagem mais moralista.
Abordagem
Pesquisadora
em educação em sexualidade, Anna Cláudia observa que a menina de 5 anos
já compreende que o “mexer na perereca” é da intimidade quando usa a
palavra segredo para contar à mãe sua descoberta. Nesses casos, fica
mais fácil ajudar os pequenos a compreenderem que o toque nos órgãos
sexuais não é para ser praticado na frente das pessoas. Mas e quando é
uma criança de 2 anos? Apesar de existirem marcos do desenvolvimento
infantil, os pais precisam sempre lembrar que cada criança é única e tem
o seu tempo para descobrir e entender o mundo ao seu redor.
Considerando esse aspecto, Adriana Monteiro afirma que nessa idade é
raro a masturbação ser um hábito frequente que necessite uma
intervenção. “O que a gente faz é chamar a atenção da criança para outra
ação sem repreendê-la”, diz.
Para Anna Cláudia, os adultos
educam sexualmente não só com o que eles falam, mas também com o que não
é dito. “A criança é uma esponja e ela percebe mais coisas do que o
adulto consegue notar que ela percebe”, lembra. Ela recomenda - nos
casos de a masturbação acontecer em público - que os pais façam a
interdição em particular. “Se é da intimidade, a abordagem tem que ser
de forma íntima, senão, o adulto estará transmitindo uma mensagem
paradoxal”, pontua. Uma dica importante é usar o adulto como um espelho
para ajudar a criança a compreender a orientação. “Você vê o seu pai
fazendo isso na frente das pessoas?”, pode ser uma comparação a ser
utilizada.
Prevenção
O
que esses meninos e meninas precisam entender é que o pênis e a vulva
são partes do corpo para serem lidados quando eles estiverem sozinhos.
Esse recado ajuda as crianças a irem percebendo que o corpo é
exclusividade delas. Dessa forma, os pais estão trabalhando, inclusive, a
prevenção. Anna Cláudia reforça: “As crianças não se excitam. A
experiência é exclusivamente sensorial. O problema está no olhar do
adulto para a sexualidade infantil. O adulto erotiza e enxerga coisa que
não tem”.
Insistência
É consenso entre
especialistas que bater, xingar, reprimir não é o caminho para tratar a
masturbação na infância, mesmo se o comportamento for insistente.
Adriana Monteiro diz que a criança não entende que, moralmente, o
comportamento em público não é bem aceito. “Em ambiente privado, os
pais precisam dizer que é algo para se fazer quando estiver sozinho, no
banheiro ou no quarto. O que o adulto precisa fazer é dar a noção da
intimidade. Se a criança insiste, a conversa precisa se repetir”,
sugere.
O artifício que a educadora utiliza na escola é chamar a
criança em ambiente privado, reconhecer a vontade que ela tem em
repetir o ato e fazer um combinado: “todas as vezes que você fizer esse
tipo de brincadeira vou te ajudar a lembrar de outras brincadeiras”.
Adriana diz que crianças de 3 e 4 anos conseguem manter o acordo.
"Os adultos educam sexualmente
não só com o que eles falam, mas também com o que não é dito" - Anna
Cláudia Eutrópio B. d´Andrea, doutoranda em educação em sexualidade da
UFMG
Excesso
“O que difere a
normalidade da patologia não é a qualidade é a intensidade. Todo mundo
sente as mesmas coisas, mas a patologia está no excesso”, afirma a
psicóloga Anna Cláudia. Para ela, o que os pais precisam observar é em
que situação a masturbação acontece. Novamente ela insiste: “A primeira
tarefa é olhar sem julgamento. Acontece antes ou depois do quê? Como
está o estado emocional da criança?”, sugere.
Para Adriana
Monteiro, o exagerado “é só querer fazer isso e nada mais. A criança
pode até desviar a atenção para outra coisa, mas retorna à masturbação”.
Nesses casos, a família deve procurar um atendimento especializado.
Questões de gênero
Outra
questão que envolve a masturbação infantil é a diferença da abordagem
para meninos e meninas. Para Anna Cláudia, a família costuma enxergar a
masturbação do garoto como uma experiência de maturidade. No caso das
garotas, muitas vezes o acesso ao próprio corpo é negado. “A educação
sexual da menina ainda está focada na função de dar prazer ao homem e
não no prazer dela mesma”, afirma. A especialista diz que já passou da
hora de as famílias educarem os meninos para respeitar o corpo da
menina.
Adolescência
Para os adultos que já
são pais e mães de adolescentes, o desafio da educação sexual é a
família se abrir para conversar sobre as emoções dos filhos e filhas.
“Discutir sexualidade não significa falar de gravidez e camisinha. Os
pais focam no discurso preventivo e não acolhem as experiências que
estão no nível das relações. Meninos e meninas querem falar de afeto,
ciúme, machismo, padrão estético de beleza. Começar uma conversa com
camisinha não vai dar liga. Não é disso que eles querem falar, não é
isso que os inquieta”, afirma a psicóloga Anna Cláudia.
Uma
sugestão que a especialista recomenda aos pais de adolescentes é o
Manual de Educação em Sexualidade da Unesco, 'Cá entre nós: Guia de
Educação Integral em Sexualidade Entre Jovens'.
Fonte: http://sites.uai.com.br/app/noticia/saudeplena/noticias/2013/10/09/noticia_saudeplena,145860/masturbacao-infantil-e-a-descoberta-do-proprio-corpo.shtml
Nenhum comentário:
Postar um comentário