quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Ser professora de Educção Infantil significa ...

Beatriz Ferraz fala sobre Cuidados e Conteúdos na Creche 


Beatriz Ferraz já foi dona de escola de Educação Infantil e criou o centro de estudos Escola de Educadores, em São Paulo. Há cinco anos, trabalha com o Projeto Didática, Informação, Cultura e Arte, de formação continuada, em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo (nos últimos três, atuando como coordenadora). Em sua tese de doutorado, estuda o conhecimento profissional de educadoras de creche com o objetivo de compreender o que aconteceu quando o foco mudou do bem-estar para a Educação. "Ao pensar em cuidados de cunho pedagógico, muitos deixaram para trás o colo e o afeto, que são essenciais à constituição saudável do bebê", diz. Nesta entrevista, Beatriz fala sobre essa polarização e o perfil ideal do profissional para esse segmento.

 
Como funcionam as creches hoje?
BEATRIZ FERRAZ Há dois modelos mais comuns. Um com foco nos cuidados (o bem-estar físico e as questões biológicas) e outro que usa a pré-escola como referência (foco nos conteúdos curriculares). E ambos têm problemas. No primeiro, a creche se organiza em torno das refeições e da higiene. A troca de fralda não é feita de acordo com a necessidade. Ela tem hora marcada. Como sempre, há muitos bebês e crianças pequenas sendo trocados e ninguém dá conta de todos ao mesmo tempo. Alguns ficam esperando, sem nada para fazer. Já o segundo exagera na escolarização. Professores não propõem atividades de Matemática para que os pequenos explorem materiais relacionados ao assunto, mas para aprender a contar. Na hora do banho, muitos querem ensinar sobre as partes do corpo, quando o correto é estimular os pequenos a participar desses momentos com mais autonomia, fazê-los entender a importância da higiene e ajudar com pequenas ações, como lavar as mãos e levantar os braços.

Qual o modelo mais indicado, então?
BEATRIZ O ideal é encontrar o meio-termo entre os cuidados e a escolarização. Há muitos benefícios no primeiro modelo porque os professores são sensíveis ao carinho, ao acolhimento e ao vínculo, fundamentais nessa época da vida. No segundo, o bacana é entender que as crianças são competentes, ativas e produtoras de cultura. Mesclar isso é a chave.

Os pais entendem essas diferenças?
BEATRIZ Sim. E sofrem com a polarização. A referência que eles têm é a da escola regular. Mas, quando encontram essa escolarização na creche, sentem falta do colo, do afeto, da emoção. Ao mesmo tempo, muitas famílias acham que as crianças, desde cedo, devem ter cadernos e atividades de linguagem. É papel do profissional de Educação Infantil explicar essa dupla função da escola para os pequenos.

Quais são os ingredientes de uma boa proposta pedagógica?
BEATRIZ É fundamental inteirar-se sobre a concepção de bebê e criança pequena. Existe um discurso mais difundido sobre a pré-escola: os meninos e as meninas são ativos, construtores de cultura, fazem escolhas e tomam decisões. Para a creche, é essencial definir os grandes marcos do desenvolvimento: sentar, engatinhar, andar, falar, desfraldar etc. Da mesma forma, a boa proposta pedagógica deve contemplar que esses sujeitos tenham possibilidades de interação (e não sejam tratados como passivos, completamente dependentes dos adultos, sem outra necessidade além das básicas). Estudar o que os teóricos deixaram é outro ponto. O que Jean Piaget (1896-1980) queria dizer com o período sensório-motor? E Lev Vygotsky (1896-1934), ao afirmar que o bebê é um sujeito social? Nenhum deles disse que os pequenos precisam aprender a contar ou a segurar o lápis. Por isso, acredito que uma proposta pedagógica para a creche deve ter espaço para a formação de valores, a constituição da criança como sujeito, as relações sociais e as questões de vínculo, segurança e afeto. Todos devemos estar conscientes de que os bebês conhecem o mundo em todas as suas facetas: cheiros, gostos, formas, texturas, sons - e só depois vão organizar esse conhecimento.

Como os bem pequenos aprendem na Educação Infantil?
BEATRIZ Sempre de forma ativa. Na relação com as pessoas, os objetos, o ambiente, outros bebês ou crianças mais velhas. É preciso valorizar a exploração e a manipulação, investindo em materiais que possibilitem isso, como os brinquedos. Um cubo áspero de um lado e escorregadio de outro permite que o bebê entenda essas diferenças. Os pequenos também aprendem fazendo escolhas. O francês Gilles Brougère diz que o bebê já sabe se deseja ou não brincar. Quando não quer, chora. Quando quer, estica a mão, mexe a perna, dá um grito. É importante respeitar esse interesse. Além disso, é fundamental entender que não é o professor que ensina a criança a explorar e escolher. Isso acontece naturalmente. Seu papel é propiciar oportunidades. Daí a importância do ambiente para garantir a interação com segurança e conforto.

Como deve ser o espaço da creche?
BEATRIZ Ele deve ter diferentes objetos motivadores, como brinquedos e outros materiais que ofereçam diversas experiências. Não é preciso ter seis bonecas na sala porque há seis crianças. Existe essa idéia de que elas têm dificuldade de dividir. Na verdade, elas vêem o objeto do outro e querem brincar junto para interagir.

Quais são as qualificações pessoais mais importantes para trabalhar em creche?
BEATRIZ Gostar das crianças é essencial, mas não basta. A pessoa tem de estar preparada para cuidar e educar. Precisa saber lidar com imprevistos, se relacionar bem com outras pessoas e ter ética. Não é admissível tirar a mamadeira da boca de um bebê, colocá-lo no berço e se despedir só porque está na hora de ir embora.

Como deveria ser a formação inicial?
BEATRIZ Para começar, a expressão cuidado deve ser entendida como cuidar e educar. Também é importante saber trocar fralda, dar banho, segurar no colo e ter noções de primeiros socorros. É essencial entender como se dá o desenvolvimento humano dentro de situações coletivas, como a escola, e ser formado para refletir sobre a própria prática.

Quer saber mais?
CONTATOS Beatriz Ferraz
Escola de Educadores, R. Brás Mendes, 70, casa 3, 05443-070, São Paulo, SP, tel. (11) 3853-6562

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