domingo, 17 de abril de 2016

 Uma entrevista sobre as histórias e invenções do brincante Adelsim

Foto Adelsin
 Por Ana Emília
O brincante mineiro Adelsin carrega na memória muita história para contar.  Com formação em Artes Plásticas, há mais de trinta anos dedica seu trabalho à observação e valorização da cultura da criança. Participou da Casa das 5 Pedrinhas junto da estimada Lydia Hortélio, e levou para vários cantos do Brasil e do mundo ensinamentos provenientes da cultura brincante.
Entre as décadas de 1980 e 2000, esteve imerso em uma viagem pelo Brasil profundo, no interior de Minas Gerais e da Bahia, observando e trocando conhecimentos acerca dos brinquedos artesanais da cultura popular. Seu trabalho ao longo dos anos se diversificou, Adelsim já atuou em escolas formais e alternativas, rurais e urbanas e também com meninos em situação de rua em Belo Horizonte e Salvador. É autor do livro “Barangandão Arco-Íris – 36 brinquedos inventados por meninos e meninas” e outras tantas publicações ilustradas a seu próprio punho.
O Astrolábio preparou uma entrevista exclusiva com nosso querido Adelsim para os amantes da cultura da infância e das brincadeiras populares:
De onde surge esse desejo em propagar e pesquisar as brincadeiras e os brinquedos?
Vem de uma vontade grande de cumprir a vida em alegria e liberdade. Vivi a primeira parte de minha infância em um casa de bairro com quintal. A meninada brincava livremente nas ruas e nos lotes vagos. Aos 10 anos, minha família se mudou para um apartamento na região central da cidade e eu me vi feito passarinho na gaiola. Senti ali, que o sentido de minha vida era reconquistar quintais para mim e para todas as crianças do mundo.
Você tem uma experiência vasta de pesquisa sobre diferentes infâncias. Já trabalhou com escolas de grandes cidades, em pequenos vilarejos, com grupos de crianças em condições de vulnerabilidade social. Você considera o lugar da brincadeira um lugar comum para todos esses grupos?  
Considero que as crianças são o último passo da nossa evolução e que elas trazem mensagens do futuro. O ambiente pode confirmar ou dificultar a evolução do ser humano ainda criança, mas quando é lhes é dado a chance de seguir a sua própria natureza, o que há de melhor em cada um aflora. O brincar é, ao mesmo tempo, ação e ambiente. As crianças pertencentes a qualquer grupo social se reconhecem como pertencentes a um primeiro e único grupo: o grupo das crianças de todo tempo e lugar.
Somos seres lúdicos por natureza, para o bem ou para o mal criamos narrativas, personagens e artefatos que tornam a sociedade, e todas as regras para se jogar o jogo social em brincadeiras levadas muitíssimo a sério. Na sua opinião, o que a brincadeira infantil e a cultura da infância têm a contribuir para as relações interpessoais entre os adultos?
Acredito que o primeiro aprendizado é que o jogo é apenas uma parte de um grande repertório de situações partilhadas quando se brinca. Fazer parte de uma roda, de um grupo e construir junto é tão desafiador quanto vencer um oponente. Tanto na infância como nas fases seguintes o maior adversário é o nosso próprio ego. Vaidades, ressentimentos e competitividade excessiva são exemplos de arestas que o brincar ajuda a lapidar. A cultura das crianças é variada e permite uma experiência rica em expressão e convivência. Os movimentos da infância quando vividos em plenitude nos ajudam a seguir em frente com simplicidade, confiança e alegria.
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A meu ver, e como não poderia deixar de ser, acredito que os brincantes carregam consigo as memórias afetivas de criança. Qual é a história, narrativa fantasiosa ou imagem de infância que você carrega sempre na sua bagagem/ memória?
Tenho muitas imagens ligadas à natureza. Me vejo sempre com uma linha na mão brincando com o vento. Do outro lado havia um papagaio amarelo. Outra sensação inesquecível era a das pedras soltas do fundo do Rio Araçuaí, que eu segurava com as mãos enquanto a correnteza me carregava rio abaixo, na travessia da balsa na Barra do Pontal. Do outro lado, no Jequitinhonha só tinha areia. E um vale encantado com personagens que povoariam para sempre o meu imaginário.
Muitos livros escritos e ilustrados por você levam o curioso nome de Barangandão. Temos o Barangandão Arco Íris (Lapa -1997; Petrópolis -2008); Barangandão Natureza; Barangandão Barulhinho (Zerinho ou Um – 2013, 2014). Você poderia contar pra gente o que é, de onde vem e para onde pretende levar o “Barangandão”?   
O barangandão é o nome baiano do berimbau mineiro: um objeto amarrado na ponta de uma linha. Ele recebe outros nomes pelo Brasil afora. É um brinquedo maravilhoso porque você gira várias vezes sobre si mesmo e depois joga para o céu. É um ritual… de alegria!
Depois de viajar muito aprendendo brinquedos, cantigas e histórias com as crianças e o povo encantado do Brasil, eu senti que era preciso partilhar todos aqueles presentes com mais pessoas. Fiz o primeiro livro o Barangandão Arco-Íris com um resumo dos brinquedos. Mas era tanto brinquedo guardado que seria necessário muitos outros livrinhos. Separei por temas e lancei o Barangandão Natureza com brinquedos da natureza e depois o Barangandão Barulhinho com brinquedos sonoros. Agora vem aí o Barangandão Rodera com carrinhos; Depois virá o Barangandão Ventania com brinquedos avoadores; o Barangandão Fantasia com o faz de conta e o Barangandão Igual Diferente para crianças que precisam brincar na cama, em hospitais e em situações especiais.
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Em seu livro mais recente “Histórias da menina da Ponte”, você visita antigas histórias recolhidas junto de sua mãe. Como foi essa imersão pela tradição oral? E como foi a experiência de produzir um livro junto dela?
Meu pai era contador de casos e minha mãe contadora de histórias. Nasci nesse ambiente. Durante a infância eu passava três meses por ano na roça, sem luz, TV e outras modernidades. Na beira do fogo ouvi muita coisa. Aquela experiência de ouvir e imaginar me fez crescer atento a esse universo. Quando comecei a trabalhar com a cultura das crianças, naturalmente, comecei a ouvir e registrar histórias diversas. Enquanto isso, minha mãe continuava a contar para meus primos mais novos, meus sobrinhos e, mais tarde, para meu filho as mesmas histórias que me contara na infância. Em outubro de 2015 ela fez oitenta anos e resolvemos partilhar essas histórias com todo mundo. Como as histórias pertencem à tradição oral optamos por fazer um livro com a essência das histórias e um CD com contadores diversos interpretando, a seu modo, cada história. Como quem conta um conto aumenta um ponto, eu precisei fazer um trabalho quase arqueológico para limpar os pontos todos que minha mãe foi acrescentando às histórias ao longo da vida. A medida que eu limpava, eu devolvia a ela para ver se estava de acordo. No livro, ela conta como era o ambiente em que ela ouvia as histórias em sua infância. No CD, ela conta três histórias, nas quais ela mesma é a Menina da Rua da Ponte.
O livro tem 19 histórias e 10 delas tem trechos cantados. Então, além dos contadores Regina Machado, Mestre Faria, Henrique Santana, Vó Guigui e eu, ainda temos os cantadores Pereira da Viola, Lucilene Silva, Grace Matos e as crianças e jovens do coral Ribeirão de Areia e da OCA escola cultural. Além dos tocadores Dener Pinheiro, Carlinhos Ferreira e Evandro Arcanjo.
Adelsin, assim como você, temos um desejo brincante latente. Deixa aqui no Astrolábio uma das brincadeiras que descobriu nas suas viagens. Quem sabe uma dessas com brinquedos inusitados.  
A coisa mais difícil é escrever sobre brincadeiras. Ensinar a construir é fácil, contar histórias também. Mas a brincadeira pede movimento, ritmo e muitas vezes melodia. Só se fosse em vídeo!
Vou deixar aqui então uma adivinhação:
O que é, o que é?
Que é branco de nascença…
E preto por natureza!
Tem a morte por alegria…
E a vida por tristeza!
É o urubu!
Link desse post: http://www.institutotear.org.br/6581?utm_source=sendinblue
Fonte: http://institutotear.org.br/6581?utm_source=sendinblue&utm_campaign=ABRIL_NO_TEAR&utm_medium=email#

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