segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Clínica-escola gratuita para autistas: sonho ou realidade?

Projeto que prevê os centros de referência nos estados tramita pelo Senado

O Brasil não tem dados sobre quantas crianças no país convivem com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), ou autismo, como é mais conhecido, mas é fato que não são poucas. E dada a escassez de centros especializados no atendimento de autistas, muitos pais são forçados a sacrifícios para oferecer aos filhos ao menos o tratamento básico. Tal situação, porém, pode estar prestes a mudar, com a possível obrigação de todo estado ter pelo menos uma clínica-escola gratuita para autistas.

Pillar Pedreira-Agência Senado
A ideia já tramita do Senado por meio do projeto de lei (PLS 169/2018) que obriga cada estado a construir pelo menos um centro de assistência integral para os autistas desassistidos.
Trata-se, originalmente, de uma sugestão apresentada ao Senado por uma mulher do Ceará, via Portal e-Cidadania. No começo de abril, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) decidiu transformá-la em projeto de lei. A relatora da sugestão na CDH foi a senadora Regina Sousa (PT-PI). Segundo ela, poucos autistas brasileiros têm acesso ao tratamento integral. Primeiro, porque são raros os centros de referência ao autismo; depois, porque, quando existem, são privados e caros.
“Os centros de referência em autismo não exigirão gastos extras. Bastará que os estados façam o remanejamento de servidores e a adaptação de prédios públicos já existentes”, assegurou a senadora, acrescentando que o governo não sabe quantos autistas existem no Brasil.
A psicopedagoga Viviani Amanajás, mãe de um autista, ratifica a preocupação, ressaltando que até hoje, o país trabalha apenas com uma estimativa. “Não sabemos quantos somos no Brasil. Sem saber quem somos e onde estamos, não conseguimos fazer uma política pública efetiva”.
No dia 2 de abril, numa audiência pública na CDH, pais e especialistas defenderam que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) inclua o autismo no questionário dos Censos. A Câmara dos Deputados estuda um projeto de lei que contém essa previsão (PL 6.575/2016).
Estudos feitos no exterior indicam uma prevalência de 62 autistas para cada grupo de 10 mil pessoas. Considerando esse dado, o Brasil teria 1,3 milhão de pessoas com autismo — o mesmo que a população de Campinas (SP). Há estimativas que chegam a sugerir que o país tem 2 milhões de autistas, o que reforça a necessidade da clínica-escola gratuita para autistas.
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Até onde a ciência já chegou, o autismo resulta de falhas no desenvolvimento do cérebro do bebê e se caracteriza por alterações de comportamento e dificuldades de comunicação e interação social. A intensidade dos sinais varia bastante, indo do autista que leva uma vida muito próxima do normal ao autista que não pode viver sem a vigilância constante da família. Sem os estímulos, os sinais pioram.
Dificuldades
A 60 quilômetros de casa, Miguel tem aulas de natação, recebe reforço educacional com psicopedagogo, se trata com terapeuta ocupacional e se consulta com psicólogo — além de frequentar uma escola pública, onde está sendo preparado numa sala de aula especial para um dia juntar-se a uma turma regular.
Cada atividade fica num bairro de Brasília. Os trajetos são percorridos em ônibus. Mãe e filho saem de casa pela manhã, às 8h, e só voltam à noite, às 19h. A rotina forçou a técnica em química Genilda Gomes a abandonar o trabalho numa fábrica de alimentos.
“É exaustivo para nós dois. Sinto que o Miguel não rende tanto quanto poderia nos tratamentos e na escola porque já chega cansado”, conta.
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A escola e a natação são oferecidas pelo governo. O psicopedagogo, o terapeuta ocupacional e o psicólogo, por instituições filantrópicas que cobram uma taxa simbólica. Se fossem pagos, a família não conseguiria arcar com os serviços. Por falta de dinheiro, o menino não frequenta sessões de fonoaudiologia. Miguel até hoje não fala.
A dona de casa Adriana Abreu passa por um drama parecido. Ela vive no Riacho Fundo (DF) e também faz inúmeras viagens de ônibus para levar os dois filhos autistas — Elias, de 8 anos, e Camila, de 6 — para o tratamento. Ela ouve insultos com frequência:
“Somos chamados de mal-educados por estarmos sentados no assento reservado. Sempre que os meus filhos ficam nervosos e começam a gritar ou se debater, algum passageiro me acusa de ser uma mãe permissiva, que não sabe dar limites. Os autistas são sensíveis ao barulho, e o ônibus cheio equivale a uma sessão de tortura. Muita gente não acredita quando explico que eles têm deficiência. Nem sei quantas vezes chorei no ônibus”.
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Realidade
A clínica-escola gratuita para autistas sonhada pelas famílias de crianças com o problema não é utopia. Há quatro
anos existe uma instituição desse tipo em Itaboraí (RJ), nos moldes do que está previsto no projeto de lei do Senado. Os atendimentos são pagos pela prefeitura. Atualmente, 160 autistas estão em tratamento, e uma fila grande espera novas vagas. Perto de 25 especialistas respondem pelos tratamentos.
De manhã, os autistas passam por diversas terapias. À tarde, aqueles que ainda não frequentam a escola têm aulas individuais para que superem as deficiências na aprendizagem e sejam incluídos no ensino regular. As famílias participam de cursos de culinária, nos quais aprendem a preparar alimentos sem glúten e proteína do leite. Estudos indicam que as substâncias podem agravar os comportamentos típicos dos autistas.
“No início, toda hora tínhamos que correr para as salas para conter autistas em crise. Como resultado das terapias e da alimentação, isso cessou. Faz tempo que não temos episódios de crise”, explica Berenice Piana, idealizadora da clínica-escola e militante que lutou pela aprovação da lei federal pró-autista de 2012 (também chamada de Lei Berenice Piana).
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Direito garantido
Para tornar essa população visível, o governo sancionou no dia 13 de abril deste ano uma lei aprovada pelo Congresso que transforma 2 de abril no Dia Nacional de Conscientização sobre o Autismo (Lei 13.652). A expectativa é que a sociedade passe a conhecer mais sobre um transtorno envolto em preconceito e desconhecimento.
Graças à mobilização de pais e mães, os autistas conseguiram em 2012 uma lei federal que lhes garantiu uma série de direitos, entre os quais o diagnóstico precoce e o tratamento multiprofissional (Lei 12.764). A conquista foi reforçada três anos depois, com a aprovação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146).
Para atender a lei de 2012, o que o governo fez foi direcionar os autistas aos centros de atenção psicossocial (Caps), ambulatórios municipais ou estaduais.
Porém, os pais dos autistas não ficaram satisfeitos. Eles avaliam que os Caps são inócuos e estão longe de ser centros de referência. O tratamento não é integral, as consultas são esparsas e rápidas, o aspecto educacional é ignorado e o ambiente é impróprio para os autistas.
Com informações de Ricardo Westin/ Agência Senado

Fonte:  http://www.filhosetal.com/clinica-escola-gratuita-para-autistas-sonho-ou-realidade/

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