Beatriz Ferraz fala sobre Cuidados e Conteúdos na Creche
Beatriz Ferraz já foi dona de escola de Educação Infantil e
criou o centro de estudos Escola de Educadores, em São Paulo. Há cinco anos,
trabalha com o Projeto Didática, Informação, Cultura e Arte, de formação
continuada, em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo (nos últimos três,
atuando como coordenadora). Em sua tese de doutorado, estuda o conhecimento
profissional de educadoras de creche com o objetivo de compreender o que
aconteceu quando o foco mudou do bem-estar para a Educação. "Ao pensar em
cuidados de cunho pedagógico, muitos deixaram para trás o colo e o afeto, que
são essenciais à constituição saudável do bebê", diz. Nesta entrevista,
Beatriz fala sobre essa polarização e o perfil ideal do profissional para esse
segmento.
Como funcionam as creches hoje?
BEATRIZ FERRAZ
Há dois modelos mais comuns. Um com foco nos cuidados (o bem-estar
físico e as questões biológicas) e outro que usa a pré-escola como
referência (foco nos conteúdos curriculares). E ambos têm problemas. No
primeiro, a creche se organiza em torno das refeições e da higiene. A
troca de fralda não é feita de acordo com a necessidade. Ela tem hora
marcada. Como sempre, há muitos bebês e crianças pequenas sendo trocados
e ninguém dá conta de todos ao mesmo tempo. Alguns ficam esperando, sem
nada para fazer. Já o segundo exagera na escolarização. Professores não
propõem atividades de Matemática para que os pequenos explorem
materiais relacionados ao assunto, mas para aprender a contar. Na hora
do banho, muitos querem ensinar sobre as partes do corpo, quando o
correto é estimular os pequenos a participar desses momentos com mais
autonomia, fazê-los entender a importância da higiene e ajudar com
pequenas ações, como lavar as mãos e levantar os braços.
Qual o modelo mais indicado, então?
BEATRIZ O
ideal é encontrar o meio-termo entre os cuidados e a escolarização. Há
muitos benefícios no primeiro modelo porque os professores são sensíveis
ao carinho, ao acolhimento e ao vínculo, fundamentais nessa época da
vida. No segundo, o bacana é entender que as crianças são competentes,
ativas e produtoras de cultura. Mesclar isso é a chave.
Os pais entendem essas diferenças?
BEATRIZ Sim.
E sofrem com a polarização. A referência que eles têm é a da escola
regular. Mas, quando encontram essa escolarização na creche, sentem
falta do colo, do afeto, da emoção. Ao mesmo tempo, muitas famílias
acham que as crianças, desde cedo, devem ter cadernos e atividades de
linguagem. É papel do profissional de Educação Infantil explicar essa
dupla função da escola para os pequenos.
Quais são os ingredientes de uma boa proposta pedagógica?
BEATRIZ É
fundamental inteirar-se sobre a concepção de bebê e criança pequena.
Existe um discurso mais difundido sobre a pré-escola: os meninos e as
meninas são ativos, construtores de cultura, fazem escolhas e tomam
decisões. Para a creche, é essencial definir os grandes marcos do
desenvolvimento: sentar, engatinhar, andar, falar, desfraldar etc. Da
mesma forma, a boa proposta pedagógica deve contemplar que esses
sujeitos tenham possibilidades de interação (e não sejam tratados como
passivos, completamente dependentes dos adultos, sem outra necessidade
além das básicas). Estudar o que os teóricos deixaram é outro ponto. O
que Jean Piaget (1896-1980) queria dizer com o período sensório-motor? E Lev Vygotsky (1896-1934),
ao afirmar que o bebê é um sujeito social? Nenhum deles disse que os
pequenos precisam aprender a contar ou a segurar o lápis. Por isso,
acredito que uma proposta pedagógica para a creche deve ter espaço para a
formação de valores, a constituição da criança como sujeito, as
relações sociais e as questões de vínculo, segurança e afeto. Todos
devemos estar conscientes de que os bebês conhecem o mundo em todas as
suas facetas: cheiros, gostos, formas, texturas, sons - e só depois vão
organizar esse conhecimento.
Como os bem pequenos aprendem na Educação Infantil?
BEATRIZ Sempre
de forma ativa. Na relação com as pessoas, os objetos, o ambiente,
outros bebês ou crianças mais velhas. É preciso valorizar a exploração e
a manipulação, investindo em materiais que possibilitem isso, como os
brinquedos. Um cubo áspero de um lado e escorregadio de outro permite
que o bebê entenda essas diferenças. Os pequenos também aprendem fazendo
escolhas. O francês Gilles Brougère diz que o bebê já sabe se deseja ou
não brincar. Quando não quer, chora. Quando quer, estica a mão, mexe a
perna, dá um grito. É importante respeitar esse interesse. Além disso, é
fundamental entender que não é o professor que ensina a criança a
explorar e escolher. Isso acontece naturalmente. Seu papel é propiciar
oportunidades. Daí a importância do ambiente para garantir a interação
com segurança e conforto.
Como deve ser o espaço da creche?
BEATRIZ Ele
deve ter diferentes objetos motivadores, como brinquedos e outros
materiais que ofereçam diversas experiências. Não é preciso ter seis
bonecas na sala porque há seis crianças. Existe essa idéia de que elas
têm dificuldade de dividir. Na verdade, elas vêem o objeto do outro e
querem brincar junto para interagir.
Quais são as qualificações pessoais mais importantes para trabalhar em creche?
BEATRIZ Gostar
das crianças é essencial, mas não basta. A pessoa tem de estar
preparada para cuidar e educar. Precisa saber lidar com imprevistos, se
relacionar bem com outras pessoas e ter ética. Não é admissível tirar a
mamadeira da boca de um bebê, colocá-lo no berço e se despedir só porque
está na hora de ir embora.
Como deveria ser a formação inicial?
BEATRIZ Para
começar, a expressão cuidado deve ser entendida como cuidar e educar.
Também é importante saber trocar fralda, dar banho, segurar no colo e
ter noções de primeiros socorros. É essencial entender como se dá o
desenvolvimento humano dentro de situações coletivas, como a escola, e
ser formado para refletir sobre a própria prática.
Quer saber mais?
CONTATOS Beatriz Ferraz
Escola de Educadores, R. Brás Mendes, 70, casa 3, 05443-070, São Paulo, SP, tel. (11) 3853-6562
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