Há muito para fazer e descobrir antes
de ler, escrever e somar, considera Rita Castanheira Alves, psicóloga
clínica especializada na área infantil e juvenil e de aconselhamento
parental, autora de um projeto que está no site
www.psicologadosmiudos.com, e que acaba de lançar o livro “A Psicóloga
dos Miúdos”. Antes de entrar no 1.º ciclo, há competências a desenvolver
e a estimular nas crianças. “Nos jardins de infância, seguem-se
diretrizes e planos normativos, mas há muito espaço para abordagens e
perspectivas diferentes. Em casa, há pais que estimulam desde cedo umas
competências em detrimento de outras”. Há muito para descobrir desde a
nascença até à matrícula no 1.º ciclo. “Dar os primeiros passos no
desafio de descobrir quem é, no aprender a ser pessoa, a distinguir-se
dos outros, a criar uma individualidade, a sentir-se gostada e a saber
gostar”, especifica.
Rita Castanheira Alves considera que é
tempo de desenvolver competências as quais chama de “assuntos de toda a
vida e mais além”, ou seja, capacidades e aprendizagens que serão a base
para a vida real, no mundo, com os outros e consigo mesmo. “Esta fase é
essencial para os pais e educadores ‘trabalharem’, de forma natural, no
dia a dia, em brincadeiras e nas rotinas com a criança, a tolerância, a
frustração, a autoestima, a autoconfiança, a persistência, a
solidariedade, a partilha, os limites e o saber errar. Sem nunca
esquecer a literacia emocional, dando-lhes a possibilidade de conseguir
identificar em si ou nos outros, expressar e regular as emoções –
competência transversal para todas as aprendizagens que se seguem, seja
na educação formal ou na vida além escola”, refere.
Antes de se sentar na cadeira da escola,
a criança dá os primeiros passos na autonomia e independência para que,
desde cedo e de forma natural, se sinta segura, capaz de gerir os
desafios que surgirão a qualquer momento. Na escola, também. “Uma
criança feliz, tranquila, competente pessoal, social e emocionalmente
terá maior probabilidade de ter sucesso acadêmico e estar preparada para
os desafios mais formais da educação, porque serão também crianças mais
motivadas intrinsecamente”.
Nesta fase, é importante criar desafios e
situações adequados às características e fases de crescimento da
criança para desenvolverem a sua capacidade de resolução de problemas.
“A criança deve saber que pode ser difícil, mas que é possível tentar e,
no meio disso, os adultos precisam ajudá-la a saber errar – até porque
na escola ela irá errar para aprender. Como tal, saber acima de tudo
errar, confrontar-se com o erro e com a nova tentativa e saber que isso
faz parte da aprendizagem de todos nós, até dos pais”. Para a psicóloga,
faz parte da educação “ajudar a criança a arriscar, a compreender os
riscos e a tomar decisões com os riscos que tem, seja numa simples
escolha de duas hipóteses de brincadeira”.
Nos primeiros anos de vida, é
fundamental experimentar, desenvolver competências artísticas e a
agilidade motora. É tempo de se conectar com outras crianças, jovens e
adultos, desenvolver a socialização, saber estar e partilhar, ouvir e
conversar. É tempo de brincar com meninos e com meninas, com bonecas,
carrinhos, animais ou quebra-cabeças. “Nesta fase, a brincadeira com a
criança é o maior motor de desenvolvimento de todas estas capacidades
essenciais para o que se segue”. A brincadeira é um meio para
tornar as aprendizagens naturais, descontraídas, fáceis, e eficazes, e
ainda criar vínculos afetivos com a criança.
A criatividade e a imaginação também têm
um papel importante. “Ajudar a criar e a imaginar, seja por histórias,
teatros caseiros, brincadeiras de tapete ou músicas é fundamental para a
preparação da criança para a fase das aprendizagens escolares. Na fase
pré-escolar, a criatividade de todas as formas é um grande recurso e um
ingrediente que se pode usar bastante, a par com a curiosidade”. Para
isso, ajuda-se a olhar para o que a rodeia, estimula-se o
questionamento, responde-se quando pergunta, pergunta-se também,
procuram-se respostas.
Saber escrever o nome, decorar letras,
contar até 20 sem enganos poderá vir noutro tempo, quando o 1.º ciclo
chegar. Rita Castanheira Alves considera que há muito para se fazer
antes disso. “Com o foco e investimento nestas competências pessoais,
sociais e emocionais, gradualmente e antes do 1.º ciclo, a vontade da
criança em saber o seu nome, em aprender a contar e a mostrar sinais de
que está preparada para a aprendizagem escolar aparecerá
espontaneamente. Vale a pena tentar”, diz.
Brincar é como respirar
Até aos 6 anos, a criança se encontra numa fase de acelerado
desenvolvimento em vários níveis: físico, motor, social, cognitivo,
emocional e linguístico. Desenvolvimento e aprendizagem andam de mãos
dadas. As relações e interações que os pequenos estabelecem entre si e
com os adultos, as experiências proporcionam novas aprendizagens, tudo
isso contribui para o desenvolvimento.
Para Cristina Parente, professora
auxiliar do Departamento de Estudos Integrados de Literacia, Didática e
Supervisão, do Instituto de Educação da Universidade do Minho, é
importante apreender quem é a criança. A criança quer conhecer e
compreender o mundo que a rodeia, tem saberes e experiências e, por
isso, faz perguntas e envolve-se em projetos para encontrar respostas
para as suas curiosidades. A criança coloca desafios aos pais, à creche,
ao jardim de infância, à comunidade. “Esta compreensão desafia os pais e
os educadores a proporcionar as melhores oportunidades de aprendizagem e
desenvolvimento, desde cedo, às crianças, tendo como referência a
necessidade de educar cada um até ao limite das suas possibilidades,
procurando, ao mesmo tempo, conseguir a integração de todos”.
A criança cresce, aprende, desenvolve-se
através de interações que estabelece com as pessoas que a amam, que
cuidam dela, que lhe dão segurança, que estão atentas às suas
características e que a desafiam. “De fato, o processo de educação da
criança ocorre entre os contextos de educação não formal e os contextos
de educação formal, entre os quais se destacam a família e os centros de
educação de infância”, refere Cristina Parente.
“Naturalmente, a criança constrói muitas
aprendizagens e se desenvolve nos contextos da educação informal
através dos processos de socialização nas relações intrafamiliares e
extrafamiliares. Mas este tipo de resposta, por si só, parece não ser
suficiente, tendo em conta as muitas solicitações das famílias e os
limitados apoios na sociedade atual urbanizada, globalizada e
multicultural. O contexto da educação de infância emerge como uma
alternativa mais consistente e integrada para, em colaboração com as
famílias, responder ao desafio da educação das crianças pequenas”,
sublinha a professora do Instituto da Criança da Universidade do Minho.
Segundo Maria José Araújo, professora da
Escola Superior de Educação do Porto, nos primeiros anos de vida, e não
só, é importante brincar e criar condições para que as crianças
brinquem. “Brincar é muito importante em todas as fases da vida, mas nesta fase é fundamental. Para a criança é como respirar”,
garante. A socialização também tem uma palavra a dizer. “É com o grupo
de pares, com outras crianças que criam e recriam as culturas da
infância”. “É fundamental conversar com os filhos e garantir uma
instituição de pré-escolar que valorize o brincar e o diálogo”,
sublinha.
Os pais devem, na sua opinião, saber
respeitar os tempos e os ritmos das crianças e compreender que brincar
garante equilíbrio e bem-estar. Há um erro que convém evitar: há pais e
encarregados de educação que procuram no pré-escolar conteúdos do
primeiro ano do 1.º ciclo. “A escola é muito importante e é por isso
mesmo que, antes de entrar para o 1.º ciclo do Ensino Básico, mas também
durante, o mais importante é criar condições para que as crianças
brinquem”.
É preciso, sublinha, valorizar as
brincadeiras das crianças como elementos essenciais de relação com a
natureza e com a cultura do mundo adulto. Ao longo da vida, elas
precisam de atividades equilibradas. “As crianças aprendem regras de
cooperação e respeito brincando. É essencial que os educadores
compreendam isso e valorizem”. Brincar é, afinal de contas, um direito.
“O brincar e as brincadeiras, enquanto manifestações coletivas, ajudam a
criança a desenvolver relações sociais com o seu grupo de pares e com
os adultos, apelando à memória coletiva”, realça Maria José Araújo
Rita Castanheira Alves
Fonte: Pesquisas na net
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