"As pequenas atividades quotidianas
tornam-se hábitos sobre os quais
a criança fundamenta a sua autonomia"
Tonucci
Maria Carmen Silveira Barbosa
A professora Drª.Maria Carmen Silveira Barbosa é docente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e coordenadora geral do Projeto de Cooperação MEC/UFRGS em andamento.
tornam-se hábitos sobre os quais
a criança fundamenta a sua autonomia"
Tonucci
Maria Carmen Silveira Barbosa
As creches durante muitos anos foram
espaços prioritariamente de cuidados, de acolhimento e de guarda de crianças
pequenas para aquelas mães que precisavam trabalhar. Nas últimas décadas, este
papel foi sendo revisado tendo
em consideração o direito das crianças de terem um espaço coletivo de educação.
Para muitos bebês estar na creche é uma oportunidade de viver com adultos e
crianças, isto é com um grupo e com ele estar em um ambiente social de
aceitação, de confiança, de contato corporal pensado na medida dos seus desejos
e necessidades. É uma possibilidade de adquirir novas experiências cognitivas e
relacionais. Pode-se afirmar que uma das experiências mais ricas e
interessantes da vida humana é o convívio, a amizade, enfim, a busca da vida em
comunidade. A creche é o primeiro ambiente de educação coletiva de um ser
humano.
Estar no berçário
O berçário tem um caráter
complementar à educação das famílias, portanto para realizar um bom trabalho, é
essencial que os educadores/professores abram espaços para a comunicação entre
escola e famílias. Para atender
a complexidade do trabalho com as
crianças pequenas também é
necessária a qualificação dos professores. O importante é que as crianças vivam
a vida dentro de uma cultura. A escola infantil é um lugar onde as crianças
aprendem as regras de convívio social, a integrar-se com outras crianças, a
trabalhar em grupos e a dividir a professora, os brinquedos e os materiais, a
cuidar das suas coisas (organizar, emprestar e guardar). Os conteúdos versam
sobre os conhecimentos significativos para cada grupo social de acordo com: as
características do universo que os circunda, com a faixa etária das crianças,
as suas experiências anteriores e seus interesses e necessidades futuras. E as
formas de trabalhar devem priorizar as aprendizagens através de meios
criativos, participativos, dialógicos e dinâmicos.
Alguns eixos do trabalho pedagógico
Para discutir a educação das crianças
pequenas, podemos seguir diferentes trilhas, pois muitas são as questões
relacionadas aos projetos educacionais para crianças bem pequenas. Porém neste
texto vamos enfatizar a
importância das relações interpessoais, a
linguagem e a brincadeira com
os bebês. Pois acreditamos que é
principalmente em torno a estes
eixos que se produz o início de uma proposta educativa no berçário.
As relações
interpessoais são para as crianças pequenas fontes fundamentais para a sua
existência tanto física como mental. É impossível para um bebê sobreviver sem o
afeto, o gesto, o olhar de um adulto disponível para cuidá-lo. Afinal a nossa
condição humana surge no modo como nos relacionamos uns com os outros e com o
mundo. Ao entrarmos em contato com outros seres humanos, passamos de um modo de
viver fundamentalmente biológico, para o acolhimento em uma cultura, traduzidas
em uma língua, em gestos, toques. As relações estabelecidas através dos
diálogos – corporais e orais - fazem parte do processo que nos torna seres
humanos ou sujeitos com vontade, com capacidade de raciocínio e imaginação.
O olhar
As crianças pequenas
relacionam-se intensamente através do olhar. É preciso olhar para as crianças,
sustentar o seu olhar, acompanhar os diferentes olhares e ao mesmo tempo
mostrar para estas crianças as coisas bonitas do mundo. Muitas vezes
acompanhando o olhar é
preciso que dê uma palavra ou
faça uma expressão. O espaço onde
as crianças vivem parte do seu
dia merece ser um ambiente físico e
social bonito e aconchegante,
com variadas experiências visuais, mas não um ambiente sobrecarregado de
imagens, objetos, pinturas...
O abraço
O abraço é a melhor forma de
demonstrar a aceitação corporal do
outro. As crianças pequenas
precisam ser abraçadas várias vezes por dia. Com afirma Mario Terena, para os
indígenas brasileiros um dos aspectos mais importantes na educação das crianças
pequenas é
encostar o coração da criança
no coração do adulto, isto é, o abraço.
”Não adianta presentes
materiais, as crianças precisam sentir o
coração”. O contato corporal
cria a confiança, pois ele dá a entender que se está em um espaço de
mútua aceitação.
O Ritmo Corporal
Desde o útero, a criança
pequena concilia o seu ritmo corporal com o da sua mãe: o ritmo da respiração,
dos batimentos cardíacos, os
movimentos, as vibrações da voz.
Os sons de voz humana, dar
alimentos, acariciar, mexer,
falar, aconchegar, cantar músicas todas
estas atividades trabalham com
diferentes ritmos corporais. É preciso reaprender e cantar as cantigas de
ninar, as rimas, as conversas secretas ao pé do ouvido e desde pequeninos,
contar histórias para as crianças.
O Balanço Corporal
As crianças criam balanços de
diferentes formas. Balançam no colo, no pé, se jogam para frente e para trás,
fazem jogos audazes e jogos suaves e precisam que o adulto lhes acolha com o
corpo e lhes dê segurança. As crianças pequenas que se movem com liberdade, sem
restrições, são as mais prudentes, já que aprendem a melhor maneira de cair. O
bebê muito protegido ou com pouca experiência não conhece seus limites e
capacidades. Um certo grau de risco é necessário para sobreviver e crescer. A
criança é competente por ela mesma, curiosa, ativa e geralmente será rica em
iniciativas e interesses pelo seu entorno. A luta do bebê para expressar-se e
descobrir os seus limites vai durar muito tempo. Ele precisa aprender a lidar
com estes conflitos para crescer seguro e forte. É preciso apoiar, não
interferir. Conhecer a individualidade dos bebês, pois cada um tem seu jeito de
relacionar-se com o mundo.Os adultos necessitam aprender a controlar suas
ansiedades frente às tentativas e frustrações dos bebês. Não acelerar o
desenvolvimento, seguir o ritmo das aquisições motoras possibilitando desafios
e movimentos livres e jogos independentes.
O Movimento
Os bebês constroem os seus
territórios e suas identidades a partir
dos seus movimentos como o
deslizar, engatinhar, sentar, ficar em
pé, caminhar. Estes modos de se
movimentar faz com que as
crianças consigam ver o mundo a
partir de diferentes posições. É
preciso deixá-las se
movimentar, criar espaços seguros mas com
obstáculos/riscos para que elas
possam constantemente andar, pular, rastejar, cantar e dançar. Viver tocando e
sendo tocado.
A criança pequena tem uma
imensa necessidade de fazer movimentos e é preciso que a creche ofereça uma
série de atividades que auxiliem a capacitar as crianças em seus movimentos.
Como as crianças de 0 a 3 anos estão com sua estrutura óssea incompleta seus
músculos precisam de um maior exercício diário para manter as partes móveis em
movimento e as partes estáticas em equilíbrio. No início desta faixa etária o
movimento e a cognição estão muito próximos.
O Brincar e o Jogar
Brincar é uma atividade vivida
sem propósitos e que realizamos de
maneira espontânea atendendo ao
nosso desejo, ao nosso emocionar, e isto acontece tanto na infância como na
vida adulta. Os jogos e brincadeiras envolvem aspectos naturais, culturais e
sociais, também motores, afetivos e cognitivos. A brincadeira surge a partir
das relações interpessoais e dos elementos existentes nos ambientes. A criança
entra progressivamente na brincadeira do adulto, de quem ela é inicialmente o
brinquedo, o espectador ativo e, depois, o real parceiro. Aos poucos ela é
introduzida no espaço e no tempo particulares do jogo. A brincadeira surge com
um convite como: Faz de Conta que eu sou.... Ou então com a expressão: Agora eu
era o herói... e o estabelecimento de algum tipo de regra que dura, no mínimo,
ao longo de toda a brincadeira.
Nas brincadeiras estão
associadas ações e ficções. As brincadeiras
agem em direção a socialização
das crianças, e o brinquedo é um
estímulo para a brincadeira. Os
brinquedos e os espaços organizados para a brincadeira orientam o tipo de jogo
que pode vir a ser construído: o tipo de canto, a disposição lógica dos móveis,
a
diversificação dos papéis
sugeridos, os materiais, possibilitam a
realização de atividades
estereotipadas ou ricas em invenção ou
diversidade. É importante para
as crianças de 0 a 3 anos estarem num ambiente aconchegante, tranqüilo e pleno
de materiais que agucem a sua curiosidade e ação.(mas não hiperestimulante).
Nesta faixa etária as crianças gostam de brinquedos como móbiles-coloridos,
brilhantes, e que façam barulho- chocalhos, brinquedos para empilhar, martelar,
puxar e empurrar, com guizos ou outros estímulos sonoros, objetos flutuantes,
fios com contas, trapézios para o berço, brinquedos desmontáveis, copos ou
caixas que encaixam umas nas outras, blocos e argolas para empilhar, livros de
papel, pano, plástico com rimas, com ilustrações, brinquedos musicais, carrinhos,
objetos para caixa de areia, blocos de tamanho diferentes, bolas de diversos
tamanhos, utensílios de higiene de brinquedo, espelho, bonecas e bonecos,
fantasias, fantoches, bonecos de pelúcia, quebra-cabeças simples, bonecos de
dar corda puxando um fio, bonecos que se movimentam quando se puxa um fio,
carretel com linha grossa e muitos outros... não muito pequenos e bem
coloridos.
Línguagem
Um dos grandes feitos entre os
0 e os 3 anos é o da aquisição da
linguagem oral. Para que esta
ocorra é preciso que os educadores
acompanhem e intercedam no
sentido de criar um ambiente cheio de conversas, de pseudodiálogos.
Inicialmente o educador fala sozinho, relata o que está ocorrendo na sala,
coloca em palavras os
sentimentos e as ações do
grupo. É preciso muita conversa com os
bebês. Não apenas dar ordens,
proibições, respostas impessoais, mas conversas com conteúdo, com vocabulário
rico, com informações, explicações, opiniões, felicitações. Conversar e não
apenas falar mecanicamente. Escutar, falar, ouvir a resposta, responder.
Explicar os fatos que afetam a vida das crianças e a vida do grupo. As crianças
se comunicam desde cedo através da linguagem corporal (gestos, sorriso, toques,
choro, tossir, engasgos, espirros, gritos) desde a mais tenra idade, mas o
desenvolvimento da linguagem propriamente dita aparece mais tarde. Ao observar
um grupo de crianças podemos verificar que de um estágio inicial onde não
utilizam palavras passam para o uso de sons, silabações, palavras, frase e
finalmente a combinação de três ou mais palavras construindo frases. E desde
sempre cantam...
Enfim
O papel do educador do berçário
é o de receber e conviver com
crianças bem pequenas
auxiliando-as a construir a si e ao seu dia a
dia. É também sua função
transmitir aquilo que conhece, isto é, as
tradições culturais do seu
grupo de pertinência e, ao mesmo tempo,
abrir um novo mundo onde elas
possam criar/produzir novas
experiências, novos
conhecimentos. Para isto o educador precisa dar-se conta que a educação dos
bebês acontece o tempo todo, nas atividades recorrentes do dia a dia. Educar os
bebês é colocar-se junto às crianças para fazer a vida acontecer. De modo
criativo, agradável, alegre ou silencioso, calmo. Enriquecer a vida através dos
seus detalhes: sentimentos, sensações, pequenos momentos que muitas vezes nos
passam despercebidas. Ao professor cabe planejar, observar, registrar as
atividades realizadas e acompanhar o como as crianças investigam o mundo, suas
curiosidades, assombros, risos. Trabalhar com bebês exige uma sólida formação
nas múltiplas linguagens das crianças pequenas. E como vimos com os eixos
anunciados no início, eles não se sustentam sozinhos. Misturam-se, pois educar
os bebês só pode ser feito numa perspectiva de mundo onde o conhecimento não é
disciplinar.
A professora Drª.Maria Carmen Silveira Barbosa é docente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e coordenadora geral do Projeto de Cooperação MEC/UFRGS em andamento.
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