Maria Carmen Barbosa
Realizada em: 8/9/2009Atuação: Professora adjunta da UFRGS
Obras: BARBOSA, M. C. S.; HORN, Maria da Graça Souza (Orgs.). Projetos pedagógicos na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2007; Culturas escolares, culturas de infância e culturas familiares: as socializações e a escolarização no entretecer destas culturas. Educação e Sociedade, v. 28, p. 1059-1083, 2007; Por amor e por força: rotinas na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2006.
Para quem ainda não se deu conta da importância do trabalho com as crianças pequenas e de uma proposta pedagógica que garanta um currículo de qualidade.
Educação de crianças em creches
A entrevistada participou do Convênio entre o MEC e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) na implementação das orientações curriculares para a educação de crianças em creches e a entrevista teve como foco esta temática:
O que o currículo para esta faixa etária deve contemplar?
Como é que o professor deve organizar a sua prática no trabalho com crianças de 0 a 3 anos?
Como analisar o currículo das crianças e a formação do educador?
Em relação às políticas públicas de atendimento à criança, o Brasil tem avançado na garantia dos direitos básicos a esta parcela da população que tem de 0 a 3 anos?
Algumas pesquisas apontam que apenas 3% das crianças nesta faixa etária estão matriculadas em creches públicas. O que explica esse percentual tão baixo no nosso país?
Ainda em relação ao acesso, os especialistas se dividem num ponto: a obrigatoriedade. Há aqueles que defendem a obrigatoriedade de frequência às creches e há outros que acreditam que a creche é um direito das crianças e um dever do Estado, mas cabe aos pais decidir se matriculam ou não seus filhos nestas instituições.
O que o currículo para esta faixa etária deve contemplar?
Como é que o professor deve organizar a sua prática no trabalho com crianças de 0 a 3 anos?
Como analisar o currículo das crianças e a formação do educador?
Em relação às políticas públicas de atendimento à criança, o Brasil tem avançado na garantia dos direitos básicos a esta parcela da população que tem de 0 a 3 anos?
Algumas pesquisas apontam que apenas 3% das crianças nesta faixa etária estão matriculadas em creches públicas. O que explica esse percentual tão baixo no nosso país?
Ainda em relação ao acesso, os especialistas se dividem num ponto: a obrigatoriedade. Há aqueles que defendem a obrigatoriedade de frequência às creches e há outros que acreditam que a creche é um direito das crianças e um dever do Estado, mas cabe aos pais decidir se matriculam ou não seus filhos nestas instituições.
Salto – Você participou de um levantamento feito em vários municípios brasileiros, que contou com a participação de pesquisadores e representantes de movimentos sociais. Esse levantamento é fruto da parceria entre o MEC e a UFRGS, e tinha o objetivo de colaborar e de propor orientações curriculares para a Educação Infantil.
Como foi esse processo?
Maria Carmem – Esse processo foi muito intenso e interessante no ano passado, porque o MEC utilizou Universidades Federais, que são órgãos do próprio ministério, como parceiros num trabalho de cooperação técnica para fazer intervenções de diferentes sentidos. Junto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul também estavam a Universidade Federal de Santa Catarina e a Universidade Estadual de Ribeirão Preto. Em primeiro lugar, é importante analisar essa questão das propostas pedagógicas que estão em andamento em todo o país, atingindo crianças de todas as regiões, urbanizadas, rurais, indígenas. Fizemos contato com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, e um levantamento bem extenso de quais são os currículos que estão em andamento com as crianças. Também fizemos outra pesquisa, endereçada a pesquisadores de todo o Brasil, principalmente os envolvidos com crianças de 0 a 3 anos, porque as questões das pessoas do Estado de São Paulo não são as mesmas do Recife e, dessa forma, foi possível termos uma ideia da diversidade do país. Depois fizemos um trabalho de discussão desses levantamentos, de debate com a sociedade civil a respeito daquilo que foi encontrado. Tivemos mais de um encontro, também foram muito interessantes esses debates. E, a partir disso, escrevemos um relatório, que é o documento base para discutir a questão do currículo na Educação Infantil com ênfase nas crianças de 0 a 3 anos, porque o que encontramos nos currículos foi uma ênfase muito grande nas práticas pedagógicas com as crianças de 4, 5 e 6 anos. Parece que os currículos são endereçados a elas, e não apresentam o que é educar, num espaço educacional, bebês e crianças tão pequenas. Nós ainda temos um período muito longo de trabalho para preencher um pouco esse vazio. E esse texto começa a levantar algumas questões sobre isso.
Como foi esse processo?
Maria Carmem – Esse processo foi muito intenso e interessante no ano passado, porque o MEC utilizou Universidades Federais, que são órgãos do próprio ministério, como parceiros num trabalho de cooperação técnica para fazer intervenções de diferentes sentidos. Junto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul também estavam a Universidade Federal de Santa Catarina e a Universidade Estadual de Ribeirão Preto. Em primeiro lugar, é importante analisar essa questão das propostas pedagógicas que estão em andamento em todo o país, atingindo crianças de todas as regiões, urbanizadas, rurais, indígenas. Fizemos contato com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, e um levantamento bem extenso de quais são os currículos que estão em andamento com as crianças. Também fizemos outra pesquisa, endereçada a pesquisadores de todo o Brasil, principalmente os envolvidos com crianças de 0 a 3 anos, porque as questões das pessoas do Estado de São Paulo não são as mesmas do Recife e, dessa forma, foi possível termos uma ideia da diversidade do país. Depois fizemos um trabalho de discussão desses levantamentos, de debate com a sociedade civil a respeito daquilo que foi encontrado. Tivemos mais de um encontro, também foram muito interessantes esses debates. E, a partir disso, escrevemos um relatório, que é o documento base para discutir a questão do currículo na Educação Infantil com ênfase nas crianças de 0 a 3 anos, porque o que encontramos nos currículos foi uma ênfase muito grande nas práticas pedagógicas com as crianças de 4, 5 e 6 anos. Parece que os currículos são endereçados a elas, e não apresentam o que é educar, num espaço educacional, bebês e crianças tão pequenas. Nós ainda temos um período muito longo de trabalho para preencher um pouco esse vazio. E esse texto começa a levantar algumas questões sobre isso.
Salto – Este documento já está focando essa faixa de 0 a 3 anos?
Maria Carmem – Com relação aos currículos ainda não. A pesquisa com os pesquisadores brasileiros, que trabalham em diferentes universidades, ou centros de pesquisas, esta sim teve a intenção de verificar como as crianças de 0 a 3 anos vêm sendo tratadas na Educação Infantil. Quais são as grandes questões que eles colocam sobre esse tema? A partir disso, esses dados foram sistematizados, organizados e nós começamos a experiência de debates com universidades, organizações da sociedade civil, também pessoal de gerenciamento, Secretarias Municipais de Educação, demais secretarias, Conselhos Municipais de Educação, para debater esse material. E a partir desse debate, foi formulado um documento síntese, uma vez que um documento de 100 páginas não contém a riqueza das discussões, mas tenta encaminhar algumas questões importantes para se tratar o tema do currículo na Educação Infantil. E um dos itens que ficou muito evidente é que os nossos currículos, os que estão em andamento hoje nos municípios, ainda têm uma visão muito focada nas crianças de 4, 5 e 6 anos e estão muito pouco focados na educação dos bebês e das crianças bem pequenas. Esta é um área que está muito recente no nosso país, está em construção a discussão do currículo para crianças tão pequenas.
Salto – A partir da elaboração desse relatório, desse documento síntese, virá uma etapa posterior à elaboração das orientações curriculares?
Maria Carmem – Ele é um documento que constrói uma base. E, a partir daí, vários outros são decorrentes dele. Uma deles se volta para uma melhor especificação de vários aspectos envolvidos com o currículo. O outro, ele está servindo como base para a discussão das novas Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil, que é uma Lei Federal que trata desse tema. Então, este documento tem sido a base para essas discussões.
Salto – Maria Carmem, começamos essa conversa falando de um documento atual, que são as Orientações Curriculares para a Educação Infantil, mas também é importante falar da trajetória. Hoje, é inegável considerar a importância das creches para as crianças de 0 a 3 anos e, também a importância da democratização do acesso a essas instituições. Mas nem sempre foi assim. Sabemos, por exemplo, que esta mentalidade, essa concepção que temos hoje se deve aos movimentos sociais, como o movimento feminista. Como você analisa esta trajetória da Educação Infantil no Brasil?Maria Carmem – A creche é uma instituição que surge na Europa, no século XIX, e chega ao Brasil com a característica de acolhimento das crianças pobres, órfãs. A creche inicia como uma instituição que tem como objetivo principal acolher as crianças enquanto as mães trabalham, esse é o percurso dela no século XIX. No século XX, a creche começa a ter outra função, e ela vai estar muito ligada a dois movimentos sociais: o movimento feminista, que vai surgir no século XX, com muita força na questão do voto, na discussão de direitos. E o movimento operário, as mulheres que participavam do movimento operário – no qual havia anarquistas, socialistas – discutindo a questão da igualdade entre homens e mulheres. Então, essa é uma formulação que faz com que esse equipamento deixe de ser só assistencial para ser um equipamento social, uma necessidade social das mulheres e dos homens que trabalham e que querem exercer sua maternidade ou paternidade, numa sociedade em que as pessoas trabalham por cerca de oito horas por dia. É necessário ter pessoas que cuidem das crianças, que estejam com as crianças, e que complementem o trabalho educativo com as crianças. Bem, a questão do financiamento da creche, até hoje, nos outros países, está vinculado à igualdade entre homens e mulheres. É uma política de igualdade, não é nenhuma política educacional, como aqui no nosso país. Ela é financiada para que homens e mulheres tenham as mesmas possibilidades na sua vida adulta produtiva. Esses dois movimentos – das mulheres feministas, discutindo os direitos em geral das mulheres, e o direito das mulheres trabalhadoras organizadas – são os movimentos que levaram a creche adiante e a transformaram nesse equipamento que nós temos hoje, que atende às crianças de 0 a 3 anos.
Salto – Por muito tempo as creches foram consideradas como o espaço ideal para que as mães deixassem seus filhos, para que fossem bem cuidados, bem tratados. Hoje, muita gente pensa dessa forma. E entre os educadores, o que se pensa? Como a creche é vista?
Maria Carmem – Esta tradição histórica da creche como lugar de cuidado é muito grande, e é uma cultura que não se modifica rapidamente. Então, as famílias, por exemplo, têm muita resistência à creche, por pensar que a creche só deve ser utilizada quando não tem nenhuma outra alternativa, principalmente as alternativas familiares – deixar com a tia, com alguém que cuide, que está próximo de casa. A nossa cultura ainda é assim. A creche é um equipamento muito urbano, que foi constituído junto da ampliação das cidades. Essa mudança de mentalidade é uma coisa que se faz lentamente. Na Educação Infantil, até mesmo no Brasil, nós vamos ver que até a década de 70, basicamente, as crianças que estão em creches são crianças de famílias muito pobres, em que as mães não encontram outra alternativa para seus filhos. É da década de 70 em diante que começa a luta por uma creche como espaço para todas as mulheres, independentemente de classe social, e é também quando grande parte das mulheres de classe média do nosso país começam a ir para o mercado de trabalho, tornam-se profissionais, e começam a ter a creche como apoio, porque é impossível desempenhar as duas funções ao mesmo tempo. Então, as mães precisaram e começaram a questionar e qualificar esse espaço. A creche começa a sair, no Brasil, dessa compreensão de lugar só de cuidado na década de 70, isso em termos de história é muito pouco tempo. Na década de 80, com a Constituição, e com tudo o que decorre das discussões sobre a infância, sobre a adolescência, sobre a questão da educação, é que se começa a discutir a creche não só como esse espaço em que a mulher deixa a criança para trabalhar, mas também como espaço em que as crianças podem ser educadas, um espaço público de educação coletiva de qualidade, isso como direito da criança. E não se pensa na educação da criança pequena só como uma educação privada, porque quando pensamos que a mãe educa a criança, pensamos que estamos fazendo o melhor para a criança. O problema é que, muitas vezes, essas mães não estão, por diferentes motivos, disponíveis para aquele cuidado intensivo da criança. Então, a gente sabe que no nosso país – isso apareceu muito na pesquisa – existe a questão da violência contra a criança pequena na família. Esse equipamento ajuda a equilibrar, um pouco, essa relação que pode ser ótima, a mãe e a criança, mas muitas vezes pode ser uma relação que não esteja bem, e que a creche pode ajudar aquela família a dar conta dessa criança. A creche tem uma função muito importante na educação das crianças, e também nessa parceria com as famílias, porque anteriormente as famílias tinham muitos apoios: avós próximos, tios, todo mundo sabia educar as crianças. E, atualmente, as famílias se sentem muito sozinhas, e contam com a creche como espaço para discutir, para ver a diversidade. Por exemplo: "Meu filho ainda não come alimento sólido". Na creche, esta mãe descobre que tem outras crianças que ainda não comem, ou que está na hora de começar, porque há outras crianças para comparar, e pais para conversar. E quando as famílias ficam muito fechadas, isso pode não ser muito bom para o desenvolvimento das crianças.
Maria Carmem – Esta tradição histórica da creche como lugar de cuidado é muito grande, e é uma cultura que não se modifica rapidamente. Então, as famílias, por exemplo, têm muita resistência à creche, por pensar que a creche só deve ser utilizada quando não tem nenhuma outra alternativa, principalmente as alternativas familiares – deixar com a tia, com alguém que cuide, que está próximo de casa. A nossa cultura ainda é assim. A creche é um equipamento muito urbano, que foi constituído junto da ampliação das cidades. Essa mudança de mentalidade é uma coisa que se faz lentamente. Na Educação Infantil, até mesmo no Brasil, nós vamos ver que até a década de 70, basicamente, as crianças que estão em creches são crianças de famílias muito pobres, em que as mães não encontram outra alternativa para seus filhos. É da década de 70 em diante que começa a luta por uma creche como espaço para todas as mulheres, independentemente de classe social, e é também quando grande parte das mulheres de classe média do nosso país começam a ir para o mercado de trabalho, tornam-se profissionais, e começam a ter a creche como apoio, porque é impossível desempenhar as duas funções ao mesmo tempo. Então, as mães precisaram e começaram a questionar e qualificar esse espaço. A creche começa a sair, no Brasil, dessa compreensão de lugar só de cuidado na década de 70, isso em termos de história é muito pouco tempo. Na década de 80, com a Constituição, e com tudo o que decorre das discussões sobre a infância, sobre a adolescência, sobre a questão da educação, é que se começa a discutir a creche não só como esse espaço em que a mulher deixa a criança para trabalhar, mas também como espaço em que as crianças podem ser educadas, um espaço público de educação coletiva de qualidade, isso como direito da criança. E não se pensa na educação da criança pequena só como uma educação privada, porque quando pensamos que a mãe educa a criança, pensamos que estamos fazendo o melhor para a criança. O problema é que, muitas vezes, essas mães não estão, por diferentes motivos, disponíveis para aquele cuidado intensivo da criança. Então, a gente sabe que no nosso país – isso apareceu muito na pesquisa – existe a questão da violência contra a criança pequena na família. Esse equipamento ajuda a equilibrar, um pouco, essa relação que pode ser ótima, a mãe e a criança, mas muitas vezes pode ser uma relação que não esteja bem, e que a creche pode ajudar aquela família a dar conta dessa criança. A creche tem uma função muito importante na educação das crianças, e também nessa parceria com as famílias, porque anteriormente as famílias tinham muitos apoios: avós próximos, tios, todo mundo sabia educar as crianças. E, atualmente, as famílias se sentem muito sozinhas, e contam com a creche como espaço para discutir, para ver a diversidade. Por exemplo: "Meu filho ainda não come alimento sólido". Na creche, esta mãe descobre que tem outras crianças que ainda não comem, ou que está na hora de começar, porque há outras crianças para comparar, e pais para conversar. E quando as famílias ficam muito fechadas, isso pode não ser muito bom para o desenvolvimento das crianças.
Salto – E como esse tempo que as crianças de 0 a 3 anos passam nas creches contribui para formação delas?
Maria Carmem – Contribui em muitos aspectos. Primeiro, o processo educacional vai ser feito por pessoas que passaram quatro anos estudando sobre crianças: a criança e suas relações sociais, a criança no seu desenvolvimento biológico, a criança no seu desenvolvimento neurológico. São pessoas que estão atualizadas com esse conhecimento. As crianças vão ser olhadas de uma forma diferente, não vão ser olhadas como seres frágeis, que não podem fazer as coisas. Ao contrário, os estudos contemporâneos nos mostram que as crianças pequenas são muito capazes e que, em geral, somos nós que não demandamos a elas desafios, oportunidades para se mostrarem capazes. Capazes em diferentes âmbitos: por exemplo, durante muito tempo se pensou que as crianças não enxergavam quando eram bebês, só tinham relação com outro adulto. Hoje as pesquisas evidenciam que os bebês, desde muito pequenos, interagem com outros bebês, observam os outros bebês, fazem coisas com outros bebês. As crianças têm capacidades que só aparecem no contexto social, se elas estiverem sozinhas em casa, cuidadas apenas por um adulto, dificilmente elas vão poder mostrar essas competências. Então, no campo das relações, no campo cognitivo, há os desafios que podem ser feitos com as crianças, propostas que começam desde o espaço que a gente organiza, que é uma organização própria para crianças, diferente da casa da gente, que é uma organização de família. É um outro jeito de pensar, contemplando as diferentes áreas da formação humana quanto ao ponto de vista físico, intelectual e relacional.
Maria Carmem – Contribui em muitos aspectos. Primeiro, o processo educacional vai ser feito por pessoas que passaram quatro anos estudando sobre crianças: a criança e suas relações sociais, a criança no seu desenvolvimento biológico, a criança no seu desenvolvimento neurológico. São pessoas que estão atualizadas com esse conhecimento. As crianças vão ser olhadas de uma forma diferente, não vão ser olhadas como seres frágeis, que não podem fazer as coisas. Ao contrário, os estudos contemporâneos nos mostram que as crianças pequenas são muito capazes e que, em geral, somos nós que não demandamos a elas desafios, oportunidades para se mostrarem capazes. Capazes em diferentes âmbitos: por exemplo, durante muito tempo se pensou que as crianças não enxergavam quando eram bebês, só tinham relação com outro adulto. Hoje as pesquisas evidenciam que os bebês, desde muito pequenos, interagem com outros bebês, observam os outros bebês, fazem coisas com outros bebês. As crianças têm capacidades que só aparecem no contexto social, se elas estiverem sozinhas em casa, cuidadas apenas por um adulto, dificilmente elas vão poder mostrar essas competências. Então, no campo das relações, no campo cognitivo, há os desafios que podem ser feitos com as crianças, propostas que começam desde o espaço que a gente organiza, que é uma organização própria para crianças, diferente da casa da gente, que é uma organização de família. É um outro jeito de pensar, contemplando as diferentes áreas da formação humana quanto ao ponto de vista físico, intelectual e relacional.
Salto – Maria Carmem, se ouvirmos o senso comum, sabemos que pode existir um estranhamento quando se pensa em currículo para trabalho com crianças de 0 a 3 anos. Quando se pensa em creche, pensa-se naquelas imagens da "mãozinha pintada de tinta e carimbada no papel, lápis fazendo o contorno da própria mão ou da mão do colega"... Mas você relatou que há um trabalho de elaboração de orientações curriculares especificamente voltadas para essa fase de escolarização. O que se fala, o que se quer quando se pensa um currículo para Educação Infantil nessa faixa de 0 a 3 anos?
Maria Carmen – Para se pensar um currículo para crianças nessa faixa etária, a primeira questão é sair da ideia mais simples de currículo como uma seleção de disciplinas prontas, que o aluno vai aprender ao longo daquele percurso. Essa é a concepção mais senso comum de currículo. Na Educação Infantil, a concepção de currículo não pode ser essa. E eu dizia que essa concepção de currículo vem sendo problematizada até nas universidades. Por exemplo, quando, hoje, as universidades incluem atividades extras, cursos que os alunos fazem, trabalho de pesquisa, disciplinas eletivas, isso significa que a universidade está começando a sair dessa ideia de que o currículo é composto de cinco disciplinas por semestre, isso está abrindo. Essa discussão do currículo se torna muito pertinente no mundo contemporâneo, que é um mundo de diversidade. E na Educação Infantil, com crianças bem pequenas, nós vamos ter que trabalhar basicamente com três enfoques: o primeiro seria pensar em algumas práticas cotidianas, algumas atividades sociais e culturais que se faz com as crianças pequenas, como integrantes formais do currículo; por exemplo, nós sabemos que toda escola de Educação Infantil, quando trabalha com crianças de 0 a 3 anos, ensina as crianças a brincar, a se alimentar, a pintar, a fazer uma série de coisas. Mas, algumas práticas que se faz, principalmente aquelas relativas aos cuidados das crianças, não vêm sendo discutidas como área do conhecimento, como área de formação do professor, e elas ficam muito como ideias do senso comum. Ou seja, "se alimenta assim porque se alimenta assim", as professoras não discutem isso, não têm uma proposta pedagógica sobre isso, sobre como a nossa escola vê a questão da alimentação, como vamos ensinar as crianças a usar os talheres, se vamos usar, se as crianças vão usar talheres de plástico, se vão usar de vidro. Nada disso é discutido como currículo. Isso é um currículo oculto que a escola tem, que ela ensina, só que ela não discute, não reflete, não torna isso uma prática refletida na escola. Não enxergam isto como currículo, e para as crianças pequenas são experiências de uma intensidade enorme. Aprender a servir um copo d’água para uma criança pequena beber é um desafio motor, é um desafio social. Para elas, aprender a usar o copo é uma coisa muito importante: "se eu sei fazer isso eu sou grande", e nós não evidenciamos isso como currículo. O primeiro elemento seria pensar essas práticas sociais e culturais em todas as populações. Se pegarmos as populações indígenas, as mães estão lá, e os outros adultos da comunidade estão ensinando isso. Devemos pensar essas práticas como currículo. O segundo elemento seria pensar as linguagens, as linguagens expressivas dos seres humanos. Nós, como seres humanos, construímos diferentes linguagens simbólicas, e essas linguagens precisam ser transmitidas para as outras gerações, elas vão sendo apropriadas, sendo recriadas. As linguagens simbólicas são outra base do conhecimento curricular da Educação Infantil, e aí nós vamos ter uma série de linguagens. E o terceiro momento do currículo da Educação Infantil, que para mim é um momento que acontece a partir dos 4 anos, é o currículo ligado ao conhecimento científico, ao conhecimento tecnológico, mas é impossível pensar a educação das crianças pequenas sem pensar isso. Mas não devemos considerar que esses conhecimentos científicos e tecnológicos têm que ser trabalhados com as crianças muito pequenas. Porque nós vemos muitas coisas abusivas neste sentido, práticas que tiram, por exemplo, o tempo das crianças de brincar diferentes brincadeiras, e sentam as crianças de 3 anos querendo alfabetizá-las, porque esse é um conhecimento importante. É óbvio que é um conhecimento importante para qualquer pessoa que viva no século XXI, numa sociedade urbana. Só que, em outro momento da vida das crianças vai ser muito significativo, elas vão ter muito mais condições físicas e intelectuais de se confrontar com esse conhecimento. Então, há uma tendência muito grande hoje de antecipar esse conhecimento conceitual para as crianças pequenas e as crianças pequenas precisam de tempo e de outras experiências. Por muitas vezes, por ausência de um currículo, antecipa-se o currículo do Ensino Fundamental para as crianças muito pequenas, e isso é um equívoco do ponto de vista pedagógico.
Maria Carmen – Para se pensar um currículo para crianças nessa faixa etária, a primeira questão é sair da ideia mais simples de currículo como uma seleção de disciplinas prontas, que o aluno vai aprender ao longo daquele percurso. Essa é a concepção mais senso comum de currículo. Na Educação Infantil, a concepção de currículo não pode ser essa. E eu dizia que essa concepção de currículo vem sendo problematizada até nas universidades. Por exemplo, quando, hoje, as universidades incluem atividades extras, cursos que os alunos fazem, trabalho de pesquisa, disciplinas eletivas, isso significa que a universidade está começando a sair dessa ideia de que o currículo é composto de cinco disciplinas por semestre, isso está abrindo. Essa discussão do currículo se torna muito pertinente no mundo contemporâneo, que é um mundo de diversidade. E na Educação Infantil, com crianças bem pequenas, nós vamos ter que trabalhar basicamente com três enfoques: o primeiro seria pensar em algumas práticas cotidianas, algumas atividades sociais e culturais que se faz com as crianças pequenas, como integrantes formais do currículo; por exemplo, nós sabemos que toda escola de Educação Infantil, quando trabalha com crianças de 0 a 3 anos, ensina as crianças a brincar, a se alimentar, a pintar, a fazer uma série de coisas. Mas, algumas práticas que se faz, principalmente aquelas relativas aos cuidados das crianças, não vêm sendo discutidas como área do conhecimento, como área de formação do professor, e elas ficam muito como ideias do senso comum. Ou seja, "se alimenta assim porque se alimenta assim", as professoras não discutem isso, não têm uma proposta pedagógica sobre isso, sobre como a nossa escola vê a questão da alimentação, como vamos ensinar as crianças a usar os talheres, se vamos usar, se as crianças vão usar talheres de plástico, se vão usar de vidro. Nada disso é discutido como currículo. Isso é um currículo oculto que a escola tem, que ela ensina, só que ela não discute, não reflete, não torna isso uma prática refletida na escola. Não enxergam isto como currículo, e para as crianças pequenas são experiências de uma intensidade enorme. Aprender a servir um copo d’água para uma criança pequena beber é um desafio motor, é um desafio social. Para elas, aprender a usar o copo é uma coisa muito importante: "se eu sei fazer isso eu sou grande", e nós não evidenciamos isso como currículo. O primeiro elemento seria pensar essas práticas sociais e culturais em todas as populações. Se pegarmos as populações indígenas, as mães estão lá, e os outros adultos da comunidade estão ensinando isso. Devemos pensar essas práticas como currículo. O segundo elemento seria pensar as linguagens, as linguagens expressivas dos seres humanos. Nós, como seres humanos, construímos diferentes linguagens simbólicas, e essas linguagens precisam ser transmitidas para as outras gerações, elas vão sendo apropriadas, sendo recriadas. As linguagens simbólicas são outra base do conhecimento curricular da Educação Infantil, e aí nós vamos ter uma série de linguagens. E o terceiro momento do currículo da Educação Infantil, que para mim é um momento que acontece a partir dos 4 anos, é o currículo ligado ao conhecimento científico, ao conhecimento tecnológico, mas é impossível pensar a educação das crianças pequenas sem pensar isso. Mas não devemos considerar que esses conhecimentos científicos e tecnológicos têm que ser trabalhados com as crianças muito pequenas. Porque nós vemos muitas coisas abusivas neste sentido, práticas que tiram, por exemplo, o tempo das crianças de brincar diferentes brincadeiras, e sentam as crianças de 3 anos querendo alfabetizá-las, porque esse é um conhecimento importante. É óbvio que é um conhecimento importante para qualquer pessoa que viva no século XXI, numa sociedade urbana. Só que, em outro momento da vida das crianças vai ser muito significativo, elas vão ter muito mais condições físicas e intelectuais de se confrontar com esse conhecimento. Então, há uma tendência muito grande hoje de antecipar esse conhecimento conceitual para as crianças pequenas e as crianças pequenas precisam de tempo e de outras experiências. Por muitas vezes, por ausência de um currículo, antecipa-se o currículo do Ensino Fundamental para as crianças muito pequenas, e isso é um equívoco do ponto de vista pedagógico.
Salto – Você falou de uma dessas bases da discussão sobre orientações curriculares para Educação Infantil, e citou as várias linguagens. Penso também na linguagem simbólica, de como ele fica relacionada às questões de valores dessa criança, e não só àquilo que o professor diz, mas àquilo que ele faz, à forma como ele age. Essa questão pode estar ligada a diversas outras questões importantes, quando você pensa a diversidade étnico-racial, por exemplo. Eu queria que você falasse um pouco a esse respeito.
Maria Carmem – As crianças bem pequenas aprendem muito estando junto com os adultos, fazendo coisas juntas. E grande parte da transmissão desses valores acontece nesse encontro entre adulto/criança, criança/outras crianças, na experiência da vida em grupo, de contatar com pessoas diferentes de você, aprender a interagir com essas diferenças. Nós temos dificuldades de reagir a elas, mas é muito importante que as crianças aprendam como. Exemplo: "Como eu respondo a uma criança, a um amigo, que vem e tira o brinquedo da minha mão? O que eu faço? Como eu respondo a isso?" Isso precisa ser transmitido pelos adultos, para as crianças, porque a primeira forma de responder a isso é uma forma corporal, que é uma das linguagens das crianças pequenas e nós vamos ter que ensiná-las a transformar o ato corporal em palavras. E esse processo de simbolização que as crianças do 0 a 3 anos estão fazendo é um pouco da passagem da natureza para a cultura. E ampliar esse universo simbólico é o grande papel dos adultos que estão junto com as crianças. É importante que elas construam linguagens em que possam expressar os seus sentimentos, os seus desejos, os seus pensamentos. Dar espaço para que isso aconteça, esse é um dos grandes focos da educação com as crianças de 0 a 3 anos. E tem muito a ver com isso o fato de estar junto e fazer coisas juntos, quando se aprende a fazer e, ao mesmo tempo, se aprende o ter, e o ser.
Maria Carmem – As crianças bem pequenas aprendem muito estando junto com os adultos, fazendo coisas juntas. E grande parte da transmissão desses valores acontece nesse encontro entre adulto/criança, criança/outras crianças, na experiência da vida em grupo, de contatar com pessoas diferentes de você, aprender a interagir com essas diferenças. Nós temos dificuldades de reagir a elas, mas é muito importante que as crianças aprendam como. Exemplo: "Como eu respondo a uma criança, a um amigo, que vem e tira o brinquedo da minha mão? O que eu faço? Como eu respondo a isso?" Isso precisa ser transmitido pelos adultos, para as crianças, porque a primeira forma de responder a isso é uma forma corporal, que é uma das linguagens das crianças pequenas e nós vamos ter que ensiná-las a transformar o ato corporal em palavras. E esse processo de simbolização que as crianças do 0 a 3 anos estão fazendo é um pouco da passagem da natureza para a cultura. E ampliar esse universo simbólico é o grande papel dos adultos que estão junto com as crianças. É importante que elas construam linguagens em que possam expressar os seus sentimentos, os seus desejos, os seus pensamentos. Dar espaço para que isso aconteça, esse é um dos grandes focos da educação com as crianças de 0 a 3 anos. E tem muito a ver com isso o fato de estar junto e fazer coisas juntos, quando se aprende a fazer e, ao mesmo tempo, se aprende o ter, e o ser.
Salto – Falamos do currículo e do trabalho com crianças de 0 a 3 anos. E como você vê a relação desse currículo com o currículo da formação dos professores, dos profissionais que vão trabalhar com essas crianças?
Maria Carmem – Eu acho que a gente tem muitos problemas na concepção curricular da formação do professor da Educação Infantil. Primeiro, porque nós temos uma tradição. O curso de pedagogia surge no Brasil como um curso voltado para formação dos burocratas da educação – o supervisor, o orientador, o inspetor, o diretor – foi para esse profissional que o currículo da pedagogia foi constituído. Há pouco tempo, cerca de 15 anos, o professor era formado na Escola Normal. Atualmente, o professor é formado no curso de pedagogia, só que o curso de pedagogia não deixou de ter um certo espírito tecnocrático, ou um espírito de formação de um professor mais híbrido para vários aspectos da educação, pouco centrado na questão da escola, do cotidiano, do trabalho com a criança. Então, eu acho que o nosso currículo para professores da Educação Infantil ainda é muito pobre para quem vai trabalhar com criança. Podemos ver, por exemplo, um professor de Educação Infantil com no máximo uma disciplina sobre brinquedo e brincadeira. O brincar é uma das práticas sociais e culturais que todas as culturas fazem com suas crianças. O nosso repertório de brincadeiras no Brasil é riquíssimo, porque nós temos brincadeiras indígenas, brincadeiras africanas, brincadeiras europeias, temos um riqueza enorme. Mas nossos professores não aprendem essas brincadeiras na universidade. Quando eles têm um repertório, esse repertório é um repertório que eles criam com base na sua experiência quando criança, e que a cada geração vem se reduzindo. Por exemplo, as minhas alunas no curso de Pedagogia foram criadas em apartamentos, e em lugares onde ir para a rua é considerado perigoso. São jovens de 18 e 19 anos, que não viveram uma experiência lúdica rica, e elas chegam na universidade sem tê-la. E quando elas chegam na escola de Educação Infantil, em vez de ampliar o imaginário dessas crianças, elas ficam sem elementos para isso. Elas têm algumas discussões muito importantes na Faculdade de Educação, mas existem umas que são específicas da Educação Infantil, dessa transmissão cultural. Eu entraria em todas essas linguagens artísticas, que o curso de pedagogia tem muita dificuldade de incluir – a música, a literatura, as artes – tudo isso ainda é um número muito pequeno de horas na formação do professor. E eu acho que realmente nós temos que fazer uma revisão das Diretrizes Curriculares do curso de Pedagogia, e estabelecer que vamos ter um curso de formação mais teórico, político e social, uma concepção ampliada de educação, ou vamos ter cursos mais focados em determinados aspectos, um curso mais voltado para a Educação Infantil, outro para a educação social. Nós temos que tomar uma decisão nesse país, de quais são as nossas necessidades, e formar um bom professor para isto. Temos optado pelo generalista, como se a formação posterior pudesse ser mais especializada. O problema é que na Educação Infantil nós ainda temos um número imenso de profissionais do Ensino Fundamental, um número imenso de profissionais sem Ensino Médio, e poucos profissionais com curso superior. Então, esse curso superior precisa ser focado na Educação Infantil.
Maria Carmem – Eu acho que a gente tem muitos problemas na concepção curricular da formação do professor da Educação Infantil. Primeiro, porque nós temos uma tradição. O curso de pedagogia surge no Brasil como um curso voltado para formação dos burocratas da educação – o supervisor, o orientador, o inspetor, o diretor – foi para esse profissional que o currículo da pedagogia foi constituído. Há pouco tempo, cerca de 15 anos, o professor era formado na Escola Normal. Atualmente, o professor é formado no curso de pedagogia, só que o curso de pedagogia não deixou de ter um certo espírito tecnocrático, ou um espírito de formação de um professor mais híbrido para vários aspectos da educação, pouco centrado na questão da escola, do cotidiano, do trabalho com a criança. Então, eu acho que o nosso currículo para professores da Educação Infantil ainda é muito pobre para quem vai trabalhar com criança. Podemos ver, por exemplo, um professor de Educação Infantil com no máximo uma disciplina sobre brinquedo e brincadeira. O brincar é uma das práticas sociais e culturais que todas as culturas fazem com suas crianças. O nosso repertório de brincadeiras no Brasil é riquíssimo, porque nós temos brincadeiras indígenas, brincadeiras africanas, brincadeiras europeias, temos um riqueza enorme. Mas nossos professores não aprendem essas brincadeiras na universidade. Quando eles têm um repertório, esse repertório é um repertório que eles criam com base na sua experiência quando criança, e que a cada geração vem se reduzindo. Por exemplo, as minhas alunas no curso de Pedagogia foram criadas em apartamentos, e em lugares onde ir para a rua é considerado perigoso. São jovens de 18 e 19 anos, que não viveram uma experiência lúdica rica, e elas chegam na universidade sem tê-la. E quando elas chegam na escola de Educação Infantil, em vez de ampliar o imaginário dessas crianças, elas ficam sem elementos para isso. Elas têm algumas discussões muito importantes na Faculdade de Educação, mas existem umas que são específicas da Educação Infantil, dessa transmissão cultural. Eu entraria em todas essas linguagens artísticas, que o curso de pedagogia tem muita dificuldade de incluir – a música, a literatura, as artes – tudo isso ainda é um número muito pequeno de horas na formação do professor. E eu acho que realmente nós temos que fazer uma revisão das Diretrizes Curriculares do curso de Pedagogia, e estabelecer que vamos ter um curso de formação mais teórico, político e social, uma concepção ampliada de educação, ou vamos ter cursos mais focados em determinados aspectos, um curso mais voltado para a Educação Infantil, outro para a educação social. Nós temos que tomar uma decisão nesse país, de quais são as nossas necessidades, e formar um bom professor para isto. Temos optado pelo generalista, como se a formação posterior pudesse ser mais especializada. O problema é que na Educação Infantil nós ainda temos um número imenso de profissionais do Ensino Fundamental, um número imenso de profissionais sem Ensino Médio, e poucos profissionais com curso superior. Então, esse curso superior precisa ser focado na Educação Infantil.
Salto – Ao analisar o panorama da política de educação brasileira para as crianças de 0 a 3 anos, temos que considerar duas polêmicas que estão em discussão quando se pensa a Educação Infantil para as crianças dessa faixa etária. Uma diz respeito à obrigatoriedade do acesso: alguns especialistas dizem que o acesso às creches deveria ser obrigatório, outros são contra essa obrigatoriedade, argumentam que deve ser um direito das crianças o acesso às creches, mas que deve ser uma escolha dos pais matricular ou não seus filhos nas creches. A outra diz respeito ao financiamento – na época da aprovação do Fundeb houve um movimento de crianças – os "fraldinhas pintadas" – que foram até Brasília, pedindo que essa etapa da escolarização fosse incluída no processo de financiamento. Financiamento que seria decorrente dos recursos providos pelo Fundeb. Analisando essas questões, o Brasil tem avançado no campo das políticas voltadas para as crianças de 0 a 3 anos de idade?
Maria Carmem – Eu acho que a Educação Infantil no Brasil vem avançando muito, especialmente de 0 a 3 anos, nos últimos 15 anos. Nós temos tido um olhar maior sobre essa instituição, na medida em que nós conseguimos fazer com que estas instituições viessem para o âmbito da educação, não fossem vistas só como equipamento de assistência social, mas como equipamento educativo. Isso ajuda a mudar uma cultura, as pessoas veem aquilo como uma escola e não como um lugar para deixar as crianças, isso muda o sentido. E estamos avançando em políticas específicas. Por exemplo, ano passado, pela primeira vez, crianças de 0 a 3 anos foram contempladas nas políticas dos livros infantis que vão para as bibliotecas das escolas. Estamos fazendo pequenos ganhos com relação à Educação Infantil. Eu acho que eles precisam ser mais intensos, para que a gente possa ter condições de oferecer um maior número de vagas. Hoje nós temos um desequilíbrio muito grande entre oferta de vagas para crianças de 4, 5 e 6 anos e crianças bem pequenas. Mas eu acho que, na medida em que a gente for oferecendo vagas, essa cultura das crianças menores irem para a escola vai se instaurando. Em relação às duas polêmicas, o financiamento é crucial, e nós tivemos ganhos. A entrada das crianças pequenas no Fundeb é muito importante, mas ele faz que se mantenha o quadro atual e não que se qualifique. E, realmente, nesse momento do Brasil, nós precisávamos de um investimento muito maior para expandir o número de vagas, para qualificar os espaços educacionais, e qualificar também os professores. Temos então três desafios muito grandes e o financiamento ainda é muito escasso. Temos conquistas, mas também um grande desafio, que é que o Estado assuma isso como uma prioridade, como uma necessidade de investimento. E sabemos que, do ponto de vista social e econômico, o investimento nas crianças pequenas realmente traz frutos futuros. Se investirmos mais na Educação Infantil, alguns problemas do Ensino Fundamental talvez não sejam tão graves como são hoje, é importante a gente ter em conta isso. Agora, eu sou contrária à questão da obrigatoriedade. Acho que é claro que está nos documentos legais, que é dever do Estado oferecer vagas para quem quiser, e isso tinha que ser cumprido. E aí nós temos tido ações fortes do Ministério Público fazendo com que as prefeituras assumam isso que já está na Lei. Eu acho que obrigar as famílias a colocar na escola é outra coisa. Nós temos famílias de zona rural, como é que se coloca uma criança de 3, 4 anos na Kombi para ir à escola? A criança vai viajar 60 km para ir para a escola, não faz sentido. E quando se torna obrigatório, algumas pessoas pensam que isso é uma estratégia. Tornar obrigatório é uma estratégia para que o Estado cumpra seu dever, mas eu acho que temos que ter outras estratégias para isto, e não usar as crianças ou a obrigatoriedade no sentido de fazer com que o Estado cumpra seu dever. Eu acho que isso é uma opção das famílias, e na medida em que as escolas forem muitas, e forem de boa qualidade, as famílias vão ter confiança nas escolas e vão levar as crianças, não precisa ser algo obrigatório. Porque a expansão rápida da obrigatoriedade pode nos levar a ter muitas instituições de baixa qualidade, e não é isso que queremos para as crianças. Nós ainda não conseguimos chegar a uma boa qualidade no Brasil como um todo na Educação Infantil, nós estamos ainda lutando, temos agora os novos indicadores de qualidade, temos uma série de políticas que tentam qualificar, mas ainda temos espaços muito precários. É preciso tirar esses espaços da sua precariedade, trabalhar principalmente as creches muito pobres, que estão localizadas na periferia, que são comunitárias. Temos algumas maravilhosas, mas há algumas que não têm realmente infraestrutura. Então, vamos melhorar isso, ampliar o serviço. Mas, eu acho que a obrigatoriedade, neste momento histórico, não tem o menor sentido na educação brasileira.
Maria Carmem – Eu acho que a Educação Infantil no Brasil vem avançando muito, especialmente de 0 a 3 anos, nos últimos 15 anos. Nós temos tido um olhar maior sobre essa instituição, na medida em que nós conseguimos fazer com que estas instituições viessem para o âmbito da educação, não fossem vistas só como equipamento de assistência social, mas como equipamento educativo. Isso ajuda a mudar uma cultura, as pessoas veem aquilo como uma escola e não como um lugar para deixar as crianças, isso muda o sentido. E estamos avançando em políticas específicas. Por exemplo, ano passado, pela primeira vez, crianças de 0 a 3 anos foram contempladas nas políticas dos livros infantis que vão para as bibliotecas das escolas. Estamos fazendo pequenos ganhos com relação à Educação Infantil. Eu acho que eles precisam ser mais intensos, para que a gente possa ter condições de oferecer um maior número de vagas. Hoje nós temos um desequilíbrio muito grande entre oferta de vagas para crianças de 4, 5 e 6 anos e crianças bem pequenas. Mas eu acho que, na medida em que a gente for oferecendo vagas, essa cultura das crianças menores irem para a escola vai se instaurando. Em relação às duas polêmicas, o financiamento é crucial, e nós tivemos ganhos. A entrada das crianças pequenas no Fundeb é muito importante, mas ele faz que se mantenha o quadro atual e não que se qualifique. E, realmente, nesse momento do Brasil, nós precisávamos de um investimento muito maior para expandir o número de vagas, para qualificar os espaços educacionais, e qualificar também os professores. Temos então três desafios muito grandes e o financiamento ainda é muito escasso. Temos conquistas, mas também um grande desafio, que é que o Estado assuma isso como uma prioridade, como uma necessidade de investimento. E sabemos que, do ponto de vista social e econômico, o investimento nas crianças pequenas realmente traz frutos futuros. Se investirmos mais na Educação Infantil, alguns problemas do Ensino Fundamental talvez não sejam tão graves como são hoje, é importante a gente ter em conta isso. Agora, eu sou contrária à questão da obrigatoriedade. Acho que é claro que está nos documentos legais, que é dever do Estado oferecer vagas para quem quiser, e isso tinha que ser cumprido. E aí nós temos tido ações fortes do Ministério Público fazendo com que as prefeituras assumam isso que já está na Lei. Eu acho que obrigar as famílias a colocar na escola é outra coisa. Nós temos famílias de zona rural, como é que se coloca uma criança de 3, 4 anos na Kombi para ir à escola? A criança vai viajar 60 km para ir para a escola, não faz sentido. E quando se torna obrigatório, algumas pessoas pensam que isso é uma estratégia. Tornar obrigatório é uma estratégia para que o Estado cumpra seu dever, mas eu acho que temos que ter outras estratégias para isto, e não usar as crianças ou a obrigatoriedade no sentido de fazer com que o Estado cumpra seu dever. Eu acho que isso é uma opção das famílias, e na medida em que as escolas forem muitas, e forem de boa qualidade, as famílias vão ter confiança nas escolas e vão levar as crianças, não precisa ser algo obrigatório. Porque a expansão rápida da obrigatoriedade pode nos levar a ter muitas instituições de baixa qualidade, e não é isso que queremos para as crianças. Nós ainda não conseguimos chegar a uma boa qualidade no Brasil como um todo na Educação Infantil, nós estamos ainda lutando, temos agora os novos indicadores de qualidade, temos uma série de políticas que tentam qualificar, mas ainda temos espaços muito precários. É preciso tirar esses espaços da sua precariedade, trabalhar principalmente as creches muito pobres, que estão localizadas na periferia, que são comunitárias. Temos algumas maravilhosas, mas há algumas que não têm realmente infraestrutura. Então, vamos melhorar isso, ampliar o serviço. Mas, eu acho que a obrigatoriedade, neste momento histórico, não tem o menor sentido na educação brasileira.
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