domingo, 10 de abril de 2016

Sobre os espaços...

Por mais natureza e menos espaços artificiais para as crianças!

propr
Após 20 dias imersa em escolas da floresta no Reino Unido – contei sobre as sensações que tive em dois posts: Quando decidi conhecer as Escolas da Floresta e Nada? Tudo! Uma floresta inteira -, vendo e vivendo toda a experiência rica e potente que o ambiente natural propicia para as crianças, queria voltar para o trabalho, em escolas de São Paulo, cada vez mais do lado de fora. E me dei conta de algo que me entristeceu: vocês já repararam o quanto os ambientes dedicados à infância, não só nas escolas, têm se transformado em ambientes artificiais?
Na primeira escola em que trabalhei, há alguns anos, lembro de ver a diretora apresentando-a para pais de novos alunos muito orgulhosa ao dizer que todos os brinquedos eram de plástico, não havia grama, terra ou tanque de areia, e os pais poderiam ficar despreocupados pois não haveria sujeira.
Passei por outras escolas e lá estava ela – a grama sintética -, em todos os ambientes externos aos quais as crianças tinham acesso.
Meu trabalho inclui a visita a muitas escolas e, na maior parte das vezes, me assusto quando vejo espaços gramados serem cimentados e muitos gestores se orgulharem da substituição da grama natural pela grama sintética, seja por poder manter o ambiente mais limpo ou pela facilidade de manutenção.
Mas não foi só a grama que se transformou! O tanque de areia também entrou nessa e ganhou areia sintética. Já existem muitos espaços públicos ou privados para crianças com areia colorida e, junto com ela, suas “vantagens” plenamente divulgadas: é antibacteriana, higienizada, apropriada para crianças.
E o playground ganhou brinquedos de feitos de plástico, sempre com as mesmas texturas, formas, cores.
E você sabe o que todas estas “artificialidades” têm em comum? Além de serem sintéticas, sua adoção ignora justamente a criança, ignora a experiência, ignora um mundo vivo que se transforma naturalmente, sem interferências.
Um gramado, um chão de terra cheio de raízes e irregularidades é um ambiente cheio de vida. Uma simples caminhada em um ambiene natural, assim, traz uma experiência carregada de descobertas. As crianças percebem a diversidade de texturas, inclinações, obstáculos. E, se estiverem descalços, as descobertas se multiplicam.
Um tanque de areia “de verdade” permite que a imaginação e a fantasia fluam, que as crianças criem bolinhos, castelos e tantas outras construções. Elas experimentam inúmeras possibilidades. Para quem nunca brincou com a areia colorida, eu explico: não é possível fazer nada com ela porque não “dá liga”; portanto, não há castelos, nem bolinhos, nem rios…
Se pararmos para observar a estética de um espaço natural, quantos tons diferentes da mesma cor podemos encontrar? Quantas formas diferentes de uma mesma folha, ou grão de areia, ou gravetos, ou qualquer outro elemento? Uma explosão de estímulos para todos os sentidos!
Estar do lado de fora em um ambiente natural nos faz perceber um mundo vivo, que se transforma a cada instante, nunca é o mesmo. E é isso que é apropriado para crianças: viver um mundo real, com sensações e experiências reais. É andar descalço, pular na poça d’agua, brincar com galhos, subir em árvores, ir à praia e sentar na areia, construir grandes fortalezas ou cavar buracos até o infinito. É poder tomar banho de chuva, brincar com água, fazer comidinha com lama. A experiência mais intensa acontece onde há vida!
Meu pedido neste post é simples: parem de artificializar a infância! Afinal, ser criança é natural!
É pedagoga, especialista em psicomotricidade e educação lúdica. Participa de diversas formações sobre primeira infância, brincar e arte para crianças e coordena o programa Ser Criança é Natural (que dá nome a este blog), do Instituto Romã, que incentiva o contato das crianças com a natureza. Organiza a ação Doe Sentimentos e acredita no poder da infância e que o mundo pode ser melhor.

Nenhum comentário: