domingo, 18 de agosto de 2013

O brincar: diferentes olhares, múltiplos sentidos

 
O brincar é uma das formas privilegiadas de a criança se expressar, relacionar
se, descobrir, explorar, conhecer e dar significado ao mundo. Brincando, constrói sua subjetividade, constituindo-se como sujeito humano em uma determinada cultura. É, portanto, uma das linguagens da criança e, como as demais, aprendida social e culturalmente.
 
Existem vários estudos em torno do brincar, oriundos de diversas áreas do conhecimento: da psicologia, da sociologia, da antropologia, da filosofia. Cada uma dessas áreas apresenta contribuições importantes para compreender essa linguagem. A ideia do lúdico (derivada de ludere, que tem o sentido de ilusão, simulação) perpassa todos esses estudos, trazendo-nos a compreensão do brincar como capacidade do ser humano de transformar uma coisa em outra, de dar significados diferentes a um determinado objeto ou ação. Por exemplo, a criança tem a capacidade de transformar um pedaço de pau em um avião ou de reconhecer em um monte de areia um delicioso bolo de aniversário.
O olhar da psicologia
A psicologia traz importantes contribuições sobre o brincar e o papel do brinquedo no desenvolvimento e aprendizagem humanos. Do ponto de vista da psicanálise, o brincar cumpre um importante papel como forma simbólica de expressar desejos insatisfeitos, bem como tensões, medos e angústias.
 
Já Piaget relaciona o brincar ao desenvolvimento das estruturas cognitivas, propondo, assim, três categorias de jogos: primeiramente se refere aos jogos de exercício, característicos do período sensório-motor (crianças de 0 a 2 anos aproximadamente); depois viriam os jogos simbólicos ou jogos de faz-de-conta, característicos do período pré-operatório (de 1 ano e meio a 5 aproximadamente); depois os jogos de regras, que são desenvolvidos a partir do período das operações concretas, que se inicia por volta dos 6 anos.
 
De acordo com a perspectiva histórico-cultural, essa capacidade de brincar se constrói na relação entre o biológico e o cultural. Os teóricos dessa corrente, em seus estudos, concluíram que, na tentativa de compreender o mundo adulto, as crianças buscam imitá-lo e, já que não podem vivenciar plenamente as atividades experienciadas pelos adultos (como trabalhar, cozinhar, dirigir etc.), fazem-no por meio do brincar, do faz-de-conta, atribuindo os significados desejados aos objetos a que têm acesso e às situações que organizam.
 Vygotsky (1984) afirma que, embora nesse momento a criança ainda precise de um objeto que represente a realidade ausente (por exemplo, ela precisa de um pedaço de pau ou de algum outro objeto, para representar um avião), essa ação de desprender-se do objeto concreto que tem em mãos (o pedaço de pau), dando-lhe outro significado (a ideia de avião), é um importante passo no percurso que a levará a desvincular-se totalmente das situações concretas, conforme acontece no pensamento adulto. Desse modo, o brincar de faz-de-conta tem um papel fundamental no desenvolvimento da capacidade de abstração da criança.

Na evolução dessa capacidade de brincar, as crianças passam também a representar pessoas, no jogo de papéis, quando, por exemplo, fazem de conta que são a mãe ou o pai ou a professora. Progressivamente, desenvolvem jogos coletivos, que são fundamentais no desenvolvimento cognitivo. Isso porque, além de desempenharem o seu papel nesses jogos, elas têm que coordenar suas ações com os papéis desempenhados pelos outros sujeitos envolvidos na brincadeira (ELKONIN,1998).

O aprender a lidar com regras e a desenvolver o autocontrole são também capacidades propiciadas pelo brincar, de acordo com os estudiosos da psicologia histórico-cultural. Eles verificaram que, tanto os jogos de regras, propriamente ditos, quanto as brincadeiras de faz-de-conta são regidos por regras. No primeiro caso, elas são explícitas. Por exemplo: as regras definidas para um jogo de futebol (ex: derrubar o adversário na área é pênalti); para uma brincadeira de pique-esconde (ex: o primeiro a ser encontrado é o próximo a ser o pegador); ou para um jogo de damas (ex: no tabuleiro, só se podem movimentar as pedras para a frente, a não ser a dama).
 
Já no caso da brincadeira de faz-de-conta, embora predomine a imaginação, as regras estão implícitas. Assim, por exemplo, numa brincadeira de lojinha, as crianças precisam definir o que a loja vai vender, quem vai ser o caixa e qual o seu papel, quem será o vendedor, o comprador, onde serão dispostas as mercadorias e como pagá-las.
 
São regras necessárias para que a brincadeira se estruture e vão se construindo no próprio brincar. E essas regras não podem ser burladas, senão a brincadeira desanda. Por exemplo, não cabe na lojinha alguém assumir o papel de professor e começar a dar aulas. Desse modo, no faz-de-conta, para brincar de acordo com as regras, as crianças têm que se apropriar de comportamentos e criar cenários próprios e adequados à brincadeira escolhida. Segundo Vygotsky, essa é uma atividade complexa, que contribui para que a criança compreenda o universo dos papéis que desempenha, impulsionando o seu desenvolvimento.
 
O olhar da sociologia da infância
 
Mais recentemente, a sociologia da infância tem trazido contribuições que vêm complementar as ideias da psicologia, nessa perspectiva histórico-cultural. Assim, reconhecendo a infância como uma categoria social, os pesquisadores da sociologia da infância têm se debruçado sobre o brincar como atividade complexa, que permite às crianças construírem uma ordem social própria. De acordo com Sarmento, embora o brincar não seja exclusivo das crianças, “a ludicidade constitui um traço fundamental das culturas infantis” (SARMENTO,1997, p.25). Para esse autor, o brincar é a condição de aprendizagem da sociabilidade.

Junto a seus pares, e essencialmente por meio das brincadeiras de faz-de-conta, as crianças produzem e partilham uma cultura da infância, constituída por ideias, valores, códigos próprios, formas específicas de compreensão da realidade, que lhes permitem não apenas reproduzir o mundo adulto, mas (re)significá-lo e reinventá-lo, num processo de reprodução interpretativa.
 
Para melhor compreender essas ideias, será analisada a brincadeira de um grupo de crianças de 5 anos numa Instituição de Educação Infantil (IEI):
A professora propôs que as crianças escolhessem as atividades que desejassem realizar naquele momento.
Lia e Joyce correm para um canto da sala, onde há brinquedos diversos, fantasias, maquiagens, sucatas. Lia convida a colega para brincar de casinha e logo informa que vai ser a mãe. Joyce diz que também quer ser a mãe.
_ “Mas tem que ter filha!”, diz Lia.
_ “Então fica duas mães e as bonecas eram as filhas”, diz Joyce, pegando duas bonecas que estavam dispostas na prateleira e dando uma para Lia.
_ “As mães vão levar as filhas prá passear”, diz Lia.
_ “Ah, não! A gente vai ao salão”(salão de beleza),retruca Joyce.
_ “Já sei! As mães vão arrumar o cabelo no salão e depois vão passear com as filhas”, contemporiza Lia.
Nesse momento Luana se aproxima e pergunta de que as colegas estão brincando. Depois que explicam, ela diz que também vai brincar.
_ “Só se você for a moça do salão.”
Luana logo começa a arrumar os apetrechos para o funcionamento do salão. As amigas chegam com suas “filhas” e começam a ser maquiadas e penteadas.
Depois de terminado o serviço, Luana diz:
_ “É dez reais!”
Lia ( que não havia pensado em dinheiro)improvisa:
_  “Ah, já sei! Isso aqui vai ser o dinheiro!” (pegando uns pedaços de papel que estavam na estante e escrevendo uns números).
_ “Agora as mães vão levar as filhas pra passear na praça.”
Luana se adianta e diz:
_ “Faz de conta que na praça tinha uma loja de sorvete e sanduíche. Aí eu era a dona, tá?”
_ “Mas a dona da loja vai dar sanduíche e sorvete pra todo mundo!”
_ “Tá!”
E a brincadeira continua...
 
 
Ao analisar esse momento a partir de referenciais apontados por Ferreira (1997), percebe-se que, para efetivarem a brincadeira, essas três crianças precisaram desenvolver ações comuns, que exigiram envolvimento mútuo, com um entendimento mínimo entre elas, partilhado e acordado verbalmente ou tacitamente. Isto é, para brincarem, tiveram que negociar papéis (quem ia ser a mãe, a filha, a dona do salão...), imaginar cenários (onde aconteceria a brincadeira: em casa, no salão, na praça...) e a pensar a trama (as mães iriam ao salão e depois levariam as crianças para passear na praça....).
 
Para que a brincadeira fosse bem sucedida, cada participante teve que assumir o seu papel de acordo com a função que o outro assumia e desenvolver as ações previstas para o papel, em resposta às ações do outro (para ter mãe, alguém tinha que cumprir o papel de filha; para ter uma dona de salão de beleza, devia haver alguém que se dispusesse a ser penteada e maquiada e que, depois, se dispusesse a pagar pelo serviço...).
 
Foram necessárias sucessivas negociações realizadas por meio de interações verbais e não-verbais para chegar a ações comuns. Houve disputas entre os pares para chegar a um consenso. Precisaram, ainda, no processo da brincadeira e por meio dessas interações, re-negociar papéis e a trama (a entrada de uma amiga que cumpriria o papel de dona do salão de beleza e, depois, de dona da loja, o uso do dinheiro, a proposta de que os sanduíches e sorvetes fossem de graça...).
 
Todas essas ações são marcadas pela não literalidade, isto é, pela simulação, uma vez que as crianças, de forma consciente, fazem de conta que são outras pessoas, cumprindo papéis reversíveis (ora são mães, ora são clientes do salão de beleza, ora são donas de salão, ora são donas de loja), reproduzindo e transformando a realidade que deu origem à brincadeira ( as mães e filhas vão passear numa praça, onde há uma loja de sanduíche e de sorvete que não cobrará por essas guloseimas). É a ação não literal que permite ao brincar estar defendido de consequências, possibilitando essa reprodução interpretativa da realidade.
 
Outro pressuposto do brincar que permite às crianças a aprendizagem da sociabilidade e a construção de sua ordem social é a repetição. Dessa forma, num contexto mais estável, como, por exemplo, o propiciado por uma IEI, onde as mesmas crianças costumam estar sempre juntas, as brincadeiras tendem a se repetir: repetem-se os temas, os papéis assumidos, as regras definidas, as tramas. Essa repetição das interações, criando padrões de ação conhecidos para os atores envolvidos, reforça as relações sociais entre as crianças e possibilita sua transferência para outros espaços e atividades (FERREIRA, 1997, p. 92).
 
Assim, no brincar, as crianças aprendem como interagir, a construir e a reconstruir as relações sociais como sujeitos competentes, membros participantes e integrados no grupo de crianças. A criação de regras, às quais todos devem se submeter, além de permitir ao grupo se autoestruturar, possibilita a cooperação entre as crianças. Como afirma Corsaro (1997, apud FERREIRA, 1997, p. 94), o brincar cria oportunidades para as crianças se sentirem parte de um grupo, para fazerem e encontrarem amigos, conseguindo, assim, participar de uma cultura de crianças.
 
Outros olhares

Numa perspectiva mais filosófica, destacam-se as contribuições de Johan Huizinga (2000) e Roger Callois (1990). Esses autores apontam uma série de características para o jogo, que nos possibilitam defini-lo como atividade livre, voluntária, delimitada no tempo e no espaço, regida pela imaginação e por regras próprias de organização. De acordo com esses autores, nesse tipo de atividade predomina a incerteza, não se podendo prever os rumos que serão seguidos pelos brincantes, nem quais serão as suas consequências. É no processo, e não no produto, que se encontra o valor e a riqueza dessa linguagem.
 
Poder-se-ia, ainda, ressaltar que, de acordo com essa perspectiva, o sentido do brincar é dado pelos sujeitos que brincam, possibilitando a significação e a re-significação do mundo por eles. É uma atividade permeada por valores, atitudes e expressão de sentimentos. A flexibilidade é também considerada como componente essencial dessa linguagem.
A partir de todas essas contribuições, pode-se considerar, portanto, o brincar um importante espaço de expressão, de aprendizagem sobre o mundo natural e social e, ao mesmo tempo, uma possibilidade de a criança transformar essa realidade, desenvolvendo a capacidade de imaginar, de ir além. Pode-se, também, compreendê-lo como lugar privilegiado de construção da sociabilidade, de relações éticas e estéticas, enfim, como espaço de constituição da identidade pessoal e social do indivíduo.

Ao longo da história da humanidade, foram sendo criadas brincadeiras que trazem as marcas das diferentes culturas, e essas são transmitidas de geração a geração. Nos dias atuais, além desse patrimônio histórico e cultural, há uma intensa produção de brinquedos e brincadeiras que os adultos criam para as crianças, carregada de valores que circulam no mundo contemporâneo.
 
Existem também brincadeiras produzidas pelas próprias crianças, como forma de representarem, simbolicamente, o mundo em que vivem. Há, portanto, um acervo de jogos e brincadeiras que é apropriado e reinventado pelas crianças nas interações com os adultos ou com seus pares. Assim, elas brincam de faz-de-conta, de brincadeiras cantadas, de brincadeiras tradicionais, de jogos de competição, de jogos de mesa, de jogos de sorte e azar, de jogos de linguagem, brincam em brinquedos de escorregar, balançar, rodopiar, enfim, vivenciam plenamente o brincar, mesclando as diversas linguagens.
 
O brincar na escola
E qual é o papel da Instituição de Educação Infantil em relação ao brincar?
 
Muitas são as formas de conceber e de trabalhar o brincar nas IEI.
 
Alguns professores veem o brincar em uma instituição educativa apenas como estratégia para ensinar determinados conteúdos. Por exemplo: destituem os jogos de bingo, boliche, amarelinha e outros de suas características como brincadeiras, utilizando-as apenas para ensinar as letras, os numerais ou operações matemáticas.
 
Em outras situações, é comum professores deixarem as crianças livres para brincar, apenas como forma de ocupar o tempo delas na IEI, ou mesmo para os adultos ficarem livres para conversar, arrumar o armário, organizar os materiais.
 
Tanto uma quanto outra dessas formas de propiciar o brincar na instituição evidenciam o desconhecimento do sentido do brincar e da importância de uma ação intencional do professor no desenvolvimento de atividades com essa linguagem.
 
Já os professores que concebem o brincar como uma forma privilegiada de a criança ser e estar no mundo e reconhecem a importância de essa linguagem ser propiciada às crianças, desde muito cedo e de modo intencional na IEI, permeiam sua prática cotidiana com uma postura lúdica. Nesse sentido, favorecem sempre nas crianças a capacidade de imaginar, de transformar uma coisa em outra, de ir além do instituído. Além disso, envolvem-se nas brincadeiras das crianças e organizam seu trabalho levando em conta uma concepção clara e consistente do brincar.
 
a) É assim que uma professora de crianças de 0 a 18 meses, por compreender que nessa faixa etária a criança está iniciando o processo de construção da função simbólica e que o brincar se funde com a exploração do corpo, dos espaços e dos objetos, organiza o berçário com diferentes brinquedos (bolas, objetos que rolam, que produzem sons, que podem ser enfiados, sobrepostos, colocados uns dentro dos outros), com obstáculos e objetos para as crianças ultrapassarem, subirem, descerem, esconderem, rolarem etc. Consciente do seu papel de ensinar e enriquecer o brincar das crianças, a professora movimenta-se por todos os lugares onde elas estão, intervindo de maneira diferenciada em relação a cada uma delas, em função de suas curiosidades, escolhas, manifestações e das explorações que realizam: nomeia e dá visibilidade aos movimentos das crianças, envolve-se em suas brincadeiras, completando-as e acrescentando novos elementos. Enfim, fica atenta, acolhe, valoriza e potencializa o que fazem. Introduz, inclusive, as crianças no faz-de-conta, brincando com elas de esconde-esconde e, até mesmo, transformando o significado de alguns objetos (por exemplo, brincando de “mamadeira” com um cilindro de plástico).
 
b) No trabalho de uma professora com crianças de 2-3 anos, pôde-se perceber sua preocupação em trazer brincadeiras cantadas tradicionais, pertencentes ao acervo cultural, como “bambalalão”, “serra-serra serrador” e outras. Ela propiciava, também, várias situações em que o faz-de-conta estava presente, além de propor jogos com regras simples – muitas vezes partilhados com as crianças maiores da IEI –, dos quais as crianças pequenas participavam com entusiasmo, embora, muitas vezes, não conseguissem cumprir as regras tais como foram definidas nesses jogos.
 
c) Essas mesmas brincadeiras e outras que envolvem regras mais complexas são propostas cotidianamente por uma professora de crianças de 5 anos, que, inclusive, a partir da ideia de uma criança do grupo de fazer um estilingue, desenvolveu um projeto sobre “brinquedos e brincadeiras”. Nele foram construídos pelas crianças, com a ajuda da professora, vários brinquedos (cavalinho, arco e flecha, bichinhos de legumes, iôiô, peteca, bilboquê, vai-e-vem, bola de meia, pé-de-lata, bonecas, móveis em miniatura, telefone sem fio). Foram também resgatados, junto às famílias, jogos e brincadeiras, que foram ensinados e vivenciados pelas crianças.
 
No trabalho pedagógico com essa faixa etária, os jogos de faz-de-conta ocupam também um lugar muito importante e são organizados de forma mais estruturada pelas crianças maiores. A professora deve favorecê-los e enriquecê-los. Eis alguns exemplos:
 
Uma educadora, no seu cotidiano, propiciava momentos em que as crianças escolhiam o quê, com quem e como iam brincar, tendo à sua disposição caixas diversas: de fantasias, de material não estruturado (papel, pedaços de pano, cabo de vassoura, sucata em geral) e de material estruturado (panelinha, copinho, talheres, bonecas, carrinhos, bombas de gasolina, rampas para automóveis, esmalte, lixa, objetos para maquiagem, xampu, creme e aparelho de barbear, miniaturas de instrumentos de médico etc.). Algumas crianças escolheram brincar de futebol, outras preferiram subir nas árvores e outras, ainda, se organizaram em torno desses materiais, brincando de “castelos e princesas”, de “ salão de beleza” e de “consultório médico”.
A professora observava os diversos grupos e, em alguns momentos, envolvia-se na brincadeira ou fazia alguma intervenção para ampliar o seu conteúdo ou fazer algum questionamento relativo à postura ética entre as crianças. Por exemplo:
- envolveu-se na brincadeira de “castelos e princesas” e transformou-se, a pedido das crianças, em rainha. Como tal, percebendo a sutil discriminação que faziam em relação a uma criança negra, incluiu-a como mais uma das princesas do reino;
- no “salão de beleza”, entrou como uma “ cliente” e solicitou serviços que não estavam em pauta naquela brincadeira, enriquecendo-a. Assim, pediu que marcassem na agenda do salão um horário para cortar seu cabelo e, ao final, fez de conta que pagava pelo serviço;
- entrou na brincadeira do “consultório médico”, solicitando a receita e, depois, simulou a leitura da bula antes de dar o remédio para seu filho;
- interveio numa briga que aconteceu no jogo de futebol, levando as crianças a refletirem sobre as regras que haviam estabelecido e sobre a forma de agirem um em relação ao outro.
 
Assim, se o brincar é reconhecido como uma das importantes linguagens que permitem às crianças compartilhar os significados da cultura e construir sua identidade social e pessoal, é fundamental, numa instituição educativa, que ele constitua uma das formas de mediação das relações estabelecidas com as crianças e delas com outros sujeitos e com os objetos.
 
Nesse sentido, é necessário que se explicite, na proposta pedagógica da IEI, o papel do professor, qual seja:

· propiciar e incentivar, nas diversas situações do cotidiano, que as crianças imaginem, que transformem uma coisa em outra, que possam ir além do que está instituído;

· fazer da brincadeira momento de conhecimento e de convivência com e entre as crianças, observando o que fazem e como fazem (o que elaboram, o que imaginam, como lidam com as regras, como se relacionam etc.);

· criar oportunidades para que as crianças construam as próprias brincadeiras e as partilhem com seus pares, potencializando-as;

· organizar espaços, tempos e materiais (estruturados e não-estruturados), para que o faz-de-conta e todos os outros tipos de brincadeiras aconteçam;

· trazer as brincadeiras para a IEI como patrimônio cultural a ser apropriado pelas crianças, buscando-as em várias fontes e permitindo que a diversidade enriqueça a prática pedagógica;

· colocar-se como brincante e envolver-se nas brincadeiras das crianças;

· ensinar, enriquecer, aprender e transformar com as crianças os vários modos de brincar, resgatando o lúdico existente dentro de si e brincando com elas de forma prazerosa;

· mediar as relações estabelecidas pelas crianças durante as brincadeiras, possibilitando que elaborem valores éticos de respeito, cooperação, solidariedade, tolerância, confiança, entre outros;

· propiciar que as crianças aprendam a lidar com as regras;

· respeitar o direito das crianças de decidirem sobre o quê, como e com quem brincar;

· criar oportunidades para que as crianças menores e maiores brinquem entre si, favorecendo a aprendizagem e a produção de conhecimentos, entre elas, sobre o brincar.
 
 
Enfim, ao compreender a importância do brincar para as crianças, o professor de uma Instituição de Educação Infantil tem o importante papel de favorecer que ele aconteça, de forma bastante rica, no cotidiano de sua prática pedagógica.
 
Referências
Imagens do Blog/crianças do CEI Maria de Lourdes Scoralick Serretti
Fátima Regina Teixeira de Salles Dias **
Vitória Líbia Barreto de Faria ***
**Psicóloga e Especialista em Educação Infantil; Integrante do Núcleo de Estudos Infância e Educação Infantil da  FaE/UFMG; Consultora  e autora de publicações na área de Educação Infantil; Coordenadora de programas de formação de profissionais da Educação Infantil.
***Mestre em Educação (Universidade Federal de Minas Gerais); Consultora  e autora de publicações na área de Educação Infantil; Coordenadora de programas de formação de profissionais da Educação Infantil na área de Educação Infantil. E-mail: viclifaria@yahoo.com.br
* Texto elaborado originalmente para compor material didático para o Curso de Pedagogia da Universidade Aberta da UFMG, Belo Horizonte/MG, 2008.
Sugestões de leitura
CALLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Lisboa: Cotovia, 1990.
CARVALHO, Alysson C; DEBORTOLI, José Alfredo; GUIMARÃES, Marília; SALLES, Fátima (Org.). Brincar(es). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.193 p.
ELKONIN,D.B. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fontes,1998.
FERREIRA, Manuela. Do “Avesso” do Brincar ou...as Relações entre Pares, as Rotinas da Cultura Infantil e a Construção da(s) Ordem(ens) Social(ais) Instituinte(s) das Crianças no Jardim-de-Infância. In: PINTO, Manuel e SARMENTO, Manuel Jacinto. As Crianças: Contextos e Identidades (Coord.). Centro de Estudos da Criança. Universidade do Minho, 1997.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2000.
OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio –histórico. São Paulo: Editora Scipione, 1997.
SARMENTO, Manuel Jacinto e PINTO, Manuel . As Crianças: Contextos e Identidades (Coord.). Centro de Estudos da Criança. Universidade do Minho, 1997.
SALLES, Fátima e FARIA, Vitória. Currículo na Educação Infantil: Diálogo com os demais elementos da Proposta Pedagógica. São Paulo: Editora Scipione, 2007.
SARMENTO, Manuel Jacinto. “Sociologia da Infância: correntes, problemáticas e controvérsias”. Sociedade e Cultura 2. Cadernos do Noroeste, Série Sociologia, v.13 (2), 2000, p.145-164.

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