segunda-feira, 7 de abril de 2014

Uma pesquisa que fala sobre a qualidade na Educação Infantil

  A HORA DO CUIDAR E DO EDUCAR
Formação dos professores e educadores que trabalham diretamente com as crianças e o currículo adotado são alguns dos fatores que devem ser considerados quando se trata da qualidade no Ensino Infantil.

Uma nova concepção de criança, bem como do atendimento dela desde muito cedo na educação infantil (EI), abre espaço para o debate em relação a deixar para trás a prática, pelas instituições, do acolhimento apenas pela ótica do cuidado e passa a abranger o recebimento da criança sob a ótica da educação. Frente a essas questões, emerge a preocupação em relação à qualidade nessa etapa de ensino. Para Maria Malta Campos, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), pesquisadora sênior da Fundação Carlos Chagas (FCC) e uma das referências nacionais na área de educação infantil, uma gama de fatores deve ser considerada quando se trata da qualidade na EI: a formação dos professores ou educadores que trabalham diretamente com as crianças, o currículo ou programação adotados, a infraestrutura da instituição – que inclui tanto o prédio como o mobiliário, os brinquedos e materiais pedagógicos – e a relação com as famílias e a comunidade. Ela acredita ainda que, para se medir a qualidade da educação infantil, “é preciso considerar tanto as condições apresentadas pelas unidades como os aspectos ligados à gestão das redes de creches e pré-escolas, o que inclui tanto as administrações municipais como também as entidades que mantêm convênios com elas e as instituições particulares que cobram mensalidades dos pais”.

Na pesquisa “Educação Infantil no Brasil – Avaliação qualitativa e quantitativa”, promovida pela Fundação Carlos Chagas, em conjunto com o Ministério da Educação (MEC) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), coordenada por Maria Malta e divulgada em 2010, estão listados como principais aspectos que influenciam na qualidade do trabalho desenvolvido diretamente com as crianças no dia a dia: espaço e mobiliário, rotinas de cuidado pessoal, falar e compreender (para creche), linguagem e raciocínio (para pré-escola), atividades, interação, estrutura do programa, pais e equipe.
 
A pesquisa avaliou a qualidade de 150 instituições de EI em seis capitais brasileiras: Belém (PA), Campo Grande (MS), Florianópolis (SC), Fortaleza (CE), Rio de Janeiro (RJ) e Teresina (PI). A escala ECERS-R foi aplicada em 138 turmas de pré-escola nos seis municípios pesquisados, que atendem crianças entre 0 a 5 anos de idade. A média para o conjunto total foi de 3,4 pontos, o que corresponde ao nível de qualidade Básico. Foram classificados como Inadequado os aspectos referentes a Atividades (2,3 pontos) e Estrutura do Programa (2,5 pontos); como Básico: Espaço e mobiliário (3,1 pontos), Pais e equipe (3,6 pontos), Linguagem e raciocínio (3,7 pontos) e Rotinas de cuidado pessoal (4,1 pontos); e como Adequado apenas a subescala Interação (5,6 pontos).

Os instrumentos utilizados para observação das salas de creche e de pré-escola na pesquisa foram as escalas ECERS-R e ITERS-R, criadas pelos pesquisadores norte-americanos Harms, Clifford e Cryer e adaptadas para esse caso. Maria Malta explica que foi adaptada a escala de notas original das escalas ECERS e ITERS, que era de um a sete, para um a dez. Por isso, as notas encontradas no relatório são de um a dez.
Para a coordenadora da pesquisa, essas escalas privilegiam aquilo que está diretamente disponível para as crianças todos os dias. “Mas não adianta a instituição ter uma linda brinquedoteca se as crianças só ficam ali poucas horas por semana, e nas salas e nos espaços onde passam a maior parte do dia não há fácil acesso a brinquedos e materiais diversificados; ou disponibilizam ótimos livros em uma estante alta, que não podem ser livremente manuseados pelas crianças pequenas no dia a dia, no ambiente em que se encontram a maior parte do tempo”, adverte.

Quanto às pré-escolas, os fatores que se mostraram estatisticamente mais associados às instituições que obtiveram as melhores notas, segundo relata Maria, são: funcionam em estabelecimentos que atendem exclusivamente crianças da educação infantil e dispõem de maior número de equipamentos; atendem crianças que fazem uso de algum tipo de transporte escolar, o que sugere que as famílias avaliam bem a unidade, pois encaminham seus filhos para ela mesmo que necessitem de transporte; são unidades dirigidas por profissionais que concluíram o curso de nível superior há 15 anos ou mais e assumiram o cargo de direção por meio de concurso público, processo seletivo ou eleição; esses diretores promovem atividades ou cursos de formação destinados aos professores e aos funcionários na sua própria unidade. Ainda, nessas instituições, o salário bruto do diretor é maior do que quatro salários mínimos; são dirigidas por profissionais que declaram enfrentar poucas dificuldades no trabalho referentes ao quadro de pessoal, tamanho das turmas, etc. Outro dado da pesquisa a ser destacado é que nas escolas com melhor qualidade os professores realizaram cursos de pós-graduação (especialização ou acadêmico) em Educação, com ênfase na área pedagógica específica para educação infantil.

Direito
Para Antônio Augusto Gomes Batista, coordenador de Pesquisas do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), o Brasil avançou bastante nos últimos anos para entender que educação infantil não é apenas questão de cuidados para com a criança ou de atendimento às necessidades das famílias que trabalham, mas um direito à educação. “O País já deu um grande passo na legislação referente à educação infantil”, considera. Batista acredita, porém, que a qualidade nessa etapa de ensino ainda é uma dificuldade. “A qualidade da educação infantil brasileira ainda é muito baixa, e isso a gente tem que enfrentar. Isso porque é um direito da criança, um momento em que todo o desenvolvimento cognitivo, afetivo, motor, ético está se construindo e que é a matriz dos desenvolvimentos posteriores, que se darão a partir da base construída nessa idade. Especialmente para crianças mais pobres, com chances mais limitadas de aprendizagem, é fundamental terem oportunidades de aprendizagem extremamente ricas nessa fase”, defende.“E, também, porque vários estudos internacionais e nacionais mostram que existe impacto da educação infantil de qualidade sobre o desempenho das crianças no ensino fundamental”, completa.
Na pesquisa desenvolvida pela Fundação Carlos Chagas, o estudo de impacto revela que a frequência à pré-escola de melhor qualidade influi positivamente no desempenho dos alunos na Provinha Brasil, ou seja, no ensino fundamental I. Segundo Maria Malta, isso se deve a muitos fatores, “tanto ligados ao desenvolvimento cognitivo e à aprendizagem como também ligados à socialização, a hábitos e atitudes, à familiaridade adquirida com o ambiente escolar, entre muitos outros aspectos”.

Para obter um nível de qualidade, Batista considera essencial que os cursos de Pedagogia passem a ofertar disciplinas ou habilitações específicas para a educação infantil. Ele também defende um currículo de educação infantil, com a expectativa de aprendizagem. “Não de forma estreita, mas com a garantia de que as crianças façam isso brincando e sendo crianças”, ressalta. De acordo com ele, deve-se insistir no direito da criança de ser criança: “e um de seus direitos é o de brincar na escola. Não se pode impor padrões e fazer a educação infantil virar um ‘fundamentalzinho’, com crianças recebendo conteúdos de forma muito restrita, com uma visão muito estreita de currículo”. E acrescenta: “não é para dar ênfase excessiva a essa ideia de só brincar, ou de só aprender. Dá pra fazer as duas coisas: aprende-se brincando, são duas coisas indissociáveis nessa etapa”. Além disso, o pesquisador considera fatores necessários à qualidade na educação infantil boas condições de infraestrutura, boa formação do professor, boas condições de gestão e de carreira, boas condições salariais. “É um conjunto de fatores para se obter qualidade. As melhores propostas didáticas, para acontecerem de fato, precisam de organização e de infraestrutura. Tudo isso precisa ser considerado”, finaliza.

Com base na pesquisa da FCC, conclui-se que os aspectos que precisam de maior atenção nessa etapa de ensino são as atividades e rotinas de cuidado pessoal nas creches e as atividades e estrutura dos programas nas pré-escolas. “As notas muito baixas em atividades mostram que a rotina da maioria dessas instituições é muito pobre: as crianças não são suficientemente estimuladas em seu desenvolvimento, não encontram condições favoráveis para brincadeiras criativas, para desenvolver sua autonomia e capacidade de expressão, assim como para lidar com materiais diversificados e aprender coisas interessantes sobre si mesmas, acerca dos demais e do mundo natural e cultural que as cerca”, comenta Maria. No caso da creche, ela enfatiza que as notas baixas em rotinas de cuidado pessoal indicam que os profissionais não estão preparados e não encontram condições favoráveis para providenciar cuidados muito simples de higiene, alimentação e repouso, como lavar as mãos, respeitar as características de faixa etária nos momentos de alimentação e respeitar as necessidades infantis de repouso e sono de forma adequada. “Para a pré-escola, as notas baixas no item ‘Estrutura do programa’ revelam que a programação adotada não inclui atividades livres, atividades com pequenos grupos, indicando pouca diversificação na organização do planejamento das atividades diárias”, explicita a pesquisadora.
Ao enumerar os principais aspectos para a qualidade na educação infantil, Maria Malta elenca como mais urgentes o currículo ou a programação pedagógica e a formação inicial e continuada dos professores e das equipes responsáveis pela educação infantil nas unidades e nas secretarias de Educação. “A melhor programação do mundo não significará grande coisa se o professor não tiver formação mínima básica e especializada para a faixa etária com a qual trabalhará”, alerta. Maria considera ainda que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, documento elaborado pelo Conselho Nacional de Educação, precisam ser “traduzidas” de maneira mais detalhada e concreta para os professores: “esses profissionais, na sua maioria, não aprenderam coisas básicas sobre como trabalhar com crianças bem pequenas em ambientes coletivos. Para eles, é muito difícil traduzir em práticas cotidianas, para a sua realidade específica, aquelas diretrizes definidas de forma mais ampla e geral para o País”.

                                                                                                            Revista Gestão Educacional
    
 14 de março de 2013

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