Conhecendo
o que rola no mundo sobre a Educação Infantil...
E desta vez, uma escritora conceituada e conhecida por todos que gostam e estudam a Educação Infantil: Maria Carmem Barbosa UFRGS.
Congresso Internacional de Educação Infantil
Conferência: A vida Cotidiana. Maria Carmem Barbosa
Conferência: A vida Cotidiana. Maria Carmem Barbosa
Olá pessoal!
Foram muitas conferências e algumas mesas redondas que participei, portanto terei que postar aos poucos.
Uma dessas conferências foi com a Professora Maria Carmem Barbosa, da UFRGS, que lindamente, com sua maneira poética e sensível de dizer coisas tão complexas, nos ajudou a refletir sobre o uso dos tempos na educação infantil.
Ao iniciar a palestra, citou Mia Couto, um famoso escritor moçambicano:
"A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendemos, para nos deixamos encantar. Quase tudo se adquire nesse tempo em que aprendemos o próprio sentido do tempo".
Segundo Maria Carmem, o cotidiano é o tempo que as pessoas vivem e a rotina trata-se do modo como organizamos esse tempo.
Felix Guattari afirmou no final do século XIX que a creche era um espaço de iniciação e que uma das iniciações mais importantes da criança era no tempo do capital. Os processos econômicos de aceleração, vistos desde essa época, diminuem o tempo para vivermos nossas experiências mais profundamente, estar com o outro, conversar, é substituído pelo imediatismo da compra ou entrega de produtos. As escolas infantis, apesar de serem "improdutivas", apresentam também esse tempo do capital. Há três características muito fortes na vivência com o tempo nas instituições da infância que relevam isso:
1.Ausência do tempo. Vivemos uma angústia com o tempo, no que se refere a escuta das crianças, já que nos implicamos mais em manter a atenção delas, em desenvolver-lhes habilidades e em responder à solicitação da sociedade para preparar-lhes para o futuro.
2. Pressa excessiva. Vemos crianças sendo apressadas para seguir ao tempo dos colegas. Trata-se do tempo da fábrica, como no filme:"Tempos Modernos" de Charles Chaplin.
3. Fragmentação do tempo. Os tempos nas instituições são fixos, sequenciados, lineares, estabelecidos pelos adultos.
Mas se a rotina é organizada por nós, também temos a possibilidade de desorganizá-la. Mas é preciso lembrar que essa organização, não é apenas da escola, mas da sociedade. Essa temporalidade acelerada que invade a escola e a vida das crianças precisa de resistência. Aceleração causa ausência de sentido e uma sensação de fracasso profissional e pessoal.
Maria Carmem aponta três formas de resistência:
1. Escola como lugar de encontro: Para resistirmos, é preciso entendermos a escola enquanto lugar de encontro, com tempo para estarmos juntos. Lugar de segurança, onde as crianças vão para compartilhar fazeres, saberes, pensamentos, dúvidas. Lugar onde o extraordinário invade o cotidiano. Mas, para constituir, encontros na vida cotidiana, precisamos de tempo.
As novas gerações precisam ter uma outro relação com o tempo. Precisam ver o tempo como algo precioso, que deve ser dividido e compartilhado com os outros. Fazer isso é oferecer às crianças resistência ao tempo do capital.
São as experiências cotidianas que nos ensinam como nos inserimos no mundo. Assim, precisamos construir e trocar experiências, colocar o patrimônio cultural unido a dimensão sensível dos sujeitos, ampliar os sentidos do dia a dia. Necessitamos, portanto, construir tempo para estar juntos, nos fazermos presente, estarmos atentos e interessados. Estar juntos e compartilhar o tempo é o primeiro ato de resistência.
2. Brincar. Brincar é a capacidade de inventar mundo, e as crianças brincam cada vez menos. Essa é uma necessidade humana, mas temos oferecido cada vez menos oportunidades para as crianças brincarem. O desenvolvimento dos sujeitos está vinculado as possibilidades que o ambiente oferece à eles, e são os pequenos atos que oferecem a formação de um mundo imaginário.
Só quem imagina é que pode construir novos mundos e as crianças que inventam o mundo em suas brincadeiras poderão ter mais disposição para criar também novos mundo quando se tornarem adultos.
3. Narrativa. Narrar a vida. As narrativas para as crianças, sejam sobre elas mesmas ou sobre o mundo, constituem sua memória e criam espaço para o pensamento. Narrativas podem transformar crianças em protagonistas, pois contribuem para valorizar suas vozes. A documentação pedagógica é uma forma de deixar essas narrativas mais potentes e esse tipo de narrativa estabelece valores para a sociedade em relação a quem são as crianças. O currículo pode ser visto como uma narrativa, e não como uma prescrição. Ainda existe uma forte ideia de que se tivéssemos um currículo único a educação andaria bem e de que sem um currículo fechado as crianças não aprenderiam nada. Isso não é assim. É certo que uma escola feliz não é uma escola onde não há aprendizagem, mas precisamos aprender juntos.
Além disso, a narrativa une as pessoas e as diferentes gerações. Narrar cumpre função ética e estética e une fazer e falar, cria memórias ativas. O tempo se constrói pela narrativa que une o ontem e o amanhã. Esta é também uma forma de construir tempos, pois é mais do que um registro, é uma instauradora de ficção.
Já finalizando sua fala, Maria Carmem citou Boaventura de Souza Santos, sociólogo português que disse: "O neoliberalismo é antes de tudo uma cultura de medo, sofrimento e morte para a grande maioria. A ele não se combate se não pusermos uma cultura de esperança, de vida". Nesse sentido, a escola não pode reduzir a vida tal como é. A experiência, a brincadeira e a narrativa são elementos essenciais da educação das crianças. A atenção aos detalhes, a delicadeza, sensibilidade são instrumentos políticos fundamentais do processo educativo. Precisamos viabilizar uma cultura de esperança e alegria, através de um outro modo de viver o tempo. O tempo não é apenas aquele que passa, mas que precisa ser vivido e compreendido para vivermos uma vida justa e alegre.
Precisamos também criar reservas de entusiasmo que nos dão vontade de continuar com as coisas.
E novamente citando Mia Couto, termina: "Quem fala do tempo fala da espera e de sua irmã gemea que é a esperança".
Aproveito para divulgar a vocês algumas reflexões que realizei a partir texto de Maria Carmem Barbosa, intitulado: "Os usos do tempo".
A autora também coordenou a realização do documento: "Práticas Cotidianas para a Educação Infantil - Bases para a reflexão sobre as orientações curriculares". Esse documento é uma referência na área e deveria ser lido por todos que trabalham direta ou indiretamente com crianças pequenas.
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